domingo, 13 de maio de 2012

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

                O cientista africano Richard Dawkins, fervoroso defensor da inexistência de Deus critica o que chama de “estranha convenção quase universalmente aceita” a de que “a fé religiosa é dona de um privilégio único: estar além e acima de qualquer crítica”.
                Parece-me ter razão o Dr. Dawkins. É aceita com naturalidade por todo mundo a pessoa que afirma não gostar de futebol, de lutas, de política, de proteção ambiental, até de leis ou ainda ser crítico fervoroso de comportamentos, pessoas etc. Mas se arrisque a dizer que não gosta de religião ou venha a critica-las.
                A intolerância religiosa é absolutamente nociva e defende-se com veemência o seu contrário, qual seja a tolerância aliada à liberdade de crença, direito fundamental com assento em nossa Constituição da República. Guerras históricas, para citar como exemplo, foram travadas em nome dessa intolerância.
                O que causa espanto é que os próprios religiosos são, na maioria das vezes, muito intolerantes com quem não tem religião e –muito mais ainda- com aqueles que não acreditam em Deus ou que se apresentam como críticos. Supõem impossível não se acreditar e tentam, às vezes obstinadamente, convencer os ateus a uma conversão ou aqueles que não optaram por nenhuma, mas que crêem, a escolher um “caminho” até Deus, com seus diversos intermediários. Como se isso fosse necessário. Rebatem até com certa agressividade ou com desdém as críticas “blasfemas”.
                O importante nisso tudo é notar que a liberdade de crença garantida pelo texto constitucional admite também a não-crença e que a liberdade de pensamento e expressão é direito fundamental da mesma estatura daquela. Não sei a hierarquia delas na órbita metafísica, mas qualquer elucubração afastaria a racionalidade da discussão em tela.
                Tudo aquilo que está exposto ou oferecido está inexoravelmente sujeito a críticas. Muitas destas servem até para que as coisas melhorem. Não se pode é admitir que algo esteja acima de qualquer crítica. Beira-se o fundamentalismo, evitado nas religiões ocidentais e viola direitos fundamentais. Vê-se diuturnamente religiões lideradas por charlatães ou que ludibriam seus fiéis, religiões que negam direitos já consagrados ou que exigem sacrifícios até mesmo ilegais, que prometem curas de coisas que nem são doenças ou que encobrem escândalos escabrosos de seus membros. Ou ainda achar absurdo se questionar a crença em algo que não se pode provar, pelo menos cientificamente. Não cabe se cobrar tolerância, praticando a intolerância. Não se pode considerar-se acima de críticas, cometendo também muitos erros.

7 comentários:

  1. Muito bom o texto professor Bernardo, é um exemplo claro e objetivo da própria sociedade que supostamente segue os direitos fundamentais que são assegurados, mas que na realidade depara-se com aspectos totalmente contrários ao que é estabelecido. A intolerância religiosa pode ser analisada de vários pontos, o que chama a atenção é o fato de esta surgir das próprias crenças religiosas, retratando os desrespeito a crença que cada indivíduo possui assim como a repressão aos meios de expressão religiosos. Quando se aponta a religião como temática de uma discussão ocorrem muitas divergências principalmente pelas formas e ideologias seguidas, deve-se antes de mais nada buscar o respeito mútuo entre as crenças de cada indivíduo, o fato é que a intolerância religiosa deve ser combatida, tanto pelos indivíduos quanto pelos grupos religiosos.

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  2. Por outro lado, para muitos "tolerantes", a tolerância religiosa somente existe se for a sua seja que irá predominar. Sugiro a leitura de O Futuro de uma Ilusão, de Freud.

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  3. Incrível, pra não dizer macabro, o fato de uma sociedade em que se trata com naturalidade aquele que oprime, julga, e corriqueiramente suga todos os bens sejam eles materiais e até mesmo os imateriais e não consegue, de forma alguma, tratar com naturalidade aquele que critica uma religião ou mesmo a entidade superior a que se segue. Intitulam-se cristãos (daquele mesmo Cristo que pregava o amor incondicional ao próximo e o despojo de bens materiais).Fundamentalmente, Deus, Alá, Budá, causam admiração por serem "pessoas" extremamente toleráveis, sendo irracional, na verdade, o comportamento dos fanáticos religiosos. Uma cultura de imposição e fé cega e não de compaixão e sabedoria.
    Um ótimo texto, Bernardo!
    Vida longa ao Percepcionista!

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  4. É corajoso falar de intolerância religiosa em uma época e sociedade em que a exploração do instinto religioso humano se tornou um big busines. Desde a antiguidade, pessoas e grupos conseguiram viver de forma ociosa a partir da exploração do medo e da ignorância dos seus contemporâneos.
    É uma estratégia usada pelos exploradores da boa fé fomentar a intolerância àqueles que não querem ser explorados ou que são frequeses de outro fornecedor de divindades. Isto faz com que o indivíduo direcione sua hostilidade para outros elementos que não o sacerdote-charlatão.
    Recente pesquisa publicada na conceituada revista Science demonstrou que o pensamento lógico faz com que as pessoas se declarem menos religiosas (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1083511-raciocinio-logico-pode-afetar-fe-em-deus-diz-pesquisa.shtml). Talvez seja por isso que a maior parte dos sacerdotes de difentes empresas fornecedoras de produtos e serviços metafísicos sejam tão aversos à educação de qualidade.
    O filósofo estadunidense Ralph Waldo Emerson escreveu: "São tão puras as relações da alma com o espírito divino, que procurar intermediadores é uma profanação". Acredito que se as pessoas que se dizem religiosas acreditassem mais no(s) deus(es) do que nos auto-intitulados representantes divinos, a intolerância seria direcionada à corrupção, ao analfabetismo, à falta de hospitais, etc
    Enquanto houver promessas de que deuses estão no comando, é bem provável que a nossa sociedade seja tão injusta quanto a vontade de tais deuses.
    Parabéns pelo texto e pelo blog, Bernardo.

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    1. Pois é Paulo Morais, compartilhamos do mesmo ponto de vista a respeito da religião. A respeito do seu trecho "Desde a antiguidade, pessoas e grupos conseguiram viver de forma ociosa a partir da exploração do medo e da ignorância dos seus contemporâneos (...)", penso que atualmente (não tão atual assim) há um outro fenômeno que vem prometendo a "salvação" sob a forma dogmática: o discurso científico. Muitos, por meio desse discurso, são tão intolerantes quanto aqueles religiosos por nós criticados, e assim atendem a interesses secundários e nada vinculados à possibilidade de emancipação do indivíduo.

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    2. Pois é, Rogério. Muito do que aprendemos a chamar de 'conhecimento científico' não passa de um conjunto de falácias e argumentos retóricos que seguem o mesmo princípio usado ao longo dos séculos pelos sacerdotes. Conhecimento é poder. Poder ficar à toa enquanto outros suam a camisa.

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  5. De fato, aborda uma temática muito discutida por nós. Até hoje, a única evidência que temos acerca da existência de Deus está naquilo que os homens escreveram. Portanto, se a nossa noção de Deus é obtida por meio dos homens, e como sou cético em relação às intenções por detrás de toda criação humana, penso ser o discurso religioso, em sua essência, o exercício de poder de poucos em relação à maioria, e tal poder fica ainda mais ampliado com o discurso intolerante. Contradição: se para os religiosos e intolerantes, Deus criou tudo, então, os ateus são uma criação Divina...rs

    Ampliando seu texto para outros assuntos, hoje vejo/escuto com ceticismo a grande maioria dos discursos presentes na atualidade: os discursos da mídia, ciência, arte, além dos decadentes discursos da religioso e político. Tenho a impressão (seria paranóia?) de que neles estão sempre encobertos os interesses de pequenos grupos que visam controlar a maioria ("- a minha verdade é mais verdadeira do que a do outro, portanto, sigam-me!").Enfim, penso que todo discurso proferido pelos agentes anteriormente citados não guarda compromisso com a emancipação humana e, portanto, fere as liberdades/escolhas individuais que podem ser feitas pelo indivíduo desde que as mesmas, em sua essência, realmente não afetem a coletividade.

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