quarta-feira, 14 de novembro de 2012

LIBERDADE OU MORTE

               Causou rebuliço a declaração do ministro da justiça José Eduardo Cardozo de que preferia morrer a passar anos em uma prisão no Brasil. Na verdade ele disse que “talvez preferisse”, mas a pequena deturpação, contumaz em nossa mídia, fez com q   ue a frase ecoasse mais e virasse comentário geral. Arrematou louvando os direitos humanos.
                O que impressiona é que o sistema prisional brasileiro é responsabilidade da pasta ocupada pelo declarante. Ora, se a situação de nossos presídios é tão catastrófica, o que nosso digno ministro anda fazendo? Onde anda o respeito aos decantados direitos humanos? E, ainda, como atuará nosso ilustre político agora que correligionários seus de longa data irão passar por uma temporada na cadeia?
                Não diga que a declaração serve para desestimular a prática de crimes por que não cola mesmo. O que me parece é que a preocupação só veio à tona pelo fato de que condenados “ilustres” irão encarar o problema. E por alguns anos. Até bom pouco, cadeia era lugar de quem não tinha condições de constituir um bom advogado. Agora algo tende a mudar, sobretudo caso venham a ser confirmadas as prisões decididas pelo Supremo Tribunal Federal.
                Outra questão é saber se a nossa sociedade quer mesmo bons presídios. Parece-me que não. A idéia que mais se destaca é a de que se alguém foi preso é por que impôs algum sofrimento a outrem. Sendo assim, na visão destes, não mereceria boas condições. A pena tem de ser, como o próprio nome sugere, penosa.
                A cultura lamentável de que direitos humanos só devem alcançar “humanos direitos” afasta do sistema prisional a preocupação da sociedade, muitas vezes hipócrita, e crente em uma padronização ilusória de que uns são melhores do que outros. Convém lembrar que a categoria jurídica direitos humanos, garantida, inclusive, em diversos ditames constitucionais, não faz esta distinção, felizmente.
                Ressocialização dos apenados já deixou de ser preocupação política, limitando-se a debates acadêmicos. Direitos humanos idem. Como não existe pena de morte em nosso país, nem a opção do ministro seria possível. Acho é que está na hora do nosso ministro da justiça trabalhar um pouco mais e mudar essa realidade. Não bastará só torcer para não ser condenado futuramente.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O FATOR ELEITORAL ADRIANO

                O jogador (ou ex-jogador) Adriano, depois de mais uma de suas famosas noitadas e de sua já notória dificuldade disciplinar e de recuperação, teve novamente seu contrato rescindido com um clube que defendia, dessa vez o Flamengo, time que afirma estar no seu coração.
                A luta de Adriano contra problemas psicológicos já é antiga e conhecida. Alguns clubes, com atitudes muitas vezes paternalistas, insistem em apostar na recuperação do jogador que, em forma e em campo é um craque indiscutível. O último foi o Flamengo. Na pessoa de sua presidenta Patrícia Amorim, acolheu o jogador de maneira aparentemente carinhosa e para alguns até comovente. Para a maioria uma aposta de risco.
                O que não se escancarou e, por isso, passou ao largo do conhecimento de muitos, foi o fator eleitoral ligado a Adriano, muito mais importante para a presidenta do clube do que a efetiva recuperação do atacante.
                Patrícia Amorim é vereadora no Rio de Janeiro e tentava a reeleição no último pleito. Adriano é o líder carismático da favela Vila Cruzeiro, comunidade com milhares de habitantes e, consequentemente, de eleitores. Potenciais eleitores de Patrícia, influenciados por ele. Assim, fica fácil concluir que Adriano recebeu todo o carinho da presidenta do Flamengo não por sua identificação com o clube. Teve diversas faltas graves perdoadas não em nome um projeto de recuperação. Recebeu carinho não pelos gols que um dia poderia fazer pelo Flamengo. Adriano era apenas um ótimo cabo eleitoral.
                Ocorre que, na eleição de 07 de outubro passado, Patrícia Amorim não se reelegeu, naufragando seu projeto de mais um mandato na câmara de vereadores com vistas mais expressivas, como à prefeitura do Rio de Janeiro, provavelmente em 2016. Com isso, Adriano falhou na sua principal função.
                Coincidentemente, na sua primeira falta pós-eleição, Adriano foi duramente repreendido e teve seu contrato rompido, sem direito a receber os salários no período em que “treinou” no Flamengo. Pode ser que tudo não passe de conspiração, mas que a coincidência é grande demais para se crer, isso é.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

VIRGINDADE LEILOADA

                Terminou na última quarta-feira, 24 de outubro, o leilão virtual promovido pela brasileira Ingrid Migliorini, conhecida na internet como Catarina. Seria só mais um leilão se o objeto não causasse ainda um impacto em parte da sociedade. Ingrid leiloou sua virgindade, que foi arrematada por um japonês pelo inacreditável valor de R$ 1,5 milhão de reais.
                A brasileira, que mora na Austrália e afirmou que com o dinheiro arrecadado construirá casas populares, cercou-se de cuidados para evitar problemas com a lei australiana, rigorosa no que diz respeito à prostituição. Isso mesmo, Ingrid está comercializando o próprio corpo, traduzindo-se na sua primeira relação sexual mediante um preço pago pelo arrematante, independentemente do objetivo altruístico por ela divulgado.
                Se fosse no Brasil, tais cuidados não seriam necessários, por alguns motivos. Primeiro, pelo fato de a virgindade não representar um valor jurídico, consequentemente, sendo irrelevante para o direito o fato de ela ser ou não virgem, já que isso não pode ser considerado um bem comerciável. Necessário, no entanto, é que ela seja maior de idade e capaz, requisitos que preenche. A virgindade da ofertante só poderá, eventualmente, servir como acréscimo no montante pago, já que configura, ainda, um fetiche para muitos.
                Em segundo lugar, no Brasil já se encontra regulamentada a profissão ‘garoto ou garota de programa’, sob o nº 5198 da classificação brasileira de ocupações do ministério do trabalho. São aqueles que “buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam de ações educativas no campo de sexualidade.” Quem comercializa o corpo atua protegido pela lei, mantendo-se, entretanto, a proibição de exploração do serviço sexual de outrem. Com isso, seja na forma de oferta convencional ou de leilão como no caso em tela, cuida-se da mesma natureza, ou seja, comercialização do próprio corpo.
                Vencida a questão jurídica, algumas perguntas ainda pairam: vale a pena pagar tanto por uma transa? E ainda por cima com pessoa tão inexperiente? O tabu da virgindade já parecia superado, mas pelo que se vê, ainda vale bastante, pelo menos financeiramente. O vencedor poderia contratar por esse valor cinco mil prostitutas experientes a R$300,00 cada uma. Será que não seria mais vantajoso? Lembre-se que, segundo o contrato do leilão, não pode haver beijo na boca nem realização de qualquer fantasia. Resta claro que é mais uma exibição de poder econômico do que a própria satisfação sexual.
                E mais, parece-me que nem mesmo as mulheres valorizam tanto suas virgindades já que atualmente será que ainda encontraremos muitas que se casam imaculadas? Não há mais necessidade disso. Ademais, ainda associar-se a virgindade à idéia de pureza, vai de encontro à liberdade sexual dos dias de hoje, que não admite que o sexo seja considerado algo impuro, ao contrário, sexo é saudável.
                Ingrid chocou os mais conservadores, mas tanto o tabu da virgindade, quanto a ilegalidade e a marginalização da prostituição, já parecem superados ou estão em vias de. O que mais estranha nisso tudo é que alguém seja capaz de pagar um valor tão alto por uma simples relação sexual e com uma virgem, ainda por cima.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O LEGADO DA HEBE

                Velórios e enterros televisivos sempre causam comoção. A morte de uma personalidade (da mídia, de preferência) é explorada às escâncaras e ao esgotamento e tenta-se incutir no telespectador um sentimento de pesar que na maioria das vezes ele não sente. Quem vai é melhor do que quem fica. Costumo dizer que quem morre leva junto os defeitos. Pelo menos durante o curto período de luto.
                A comoção nacional e a exploração midiática da vez foram em torno da morte da apresentadora Hebe Camargo, famosa mais por sua longevidade jurássica na televisão do que propriamente por bons trabalhos realizados. Hebe foi cantora, atriz (alguém se lembra?), apresentadora e deve ter sido mais coisas. Mas a pergunta que faço é: O que a Hebe deixa de legado para o Brasil?
                Não tenho idade para ter acompanhado a carreira de Hebe antes de se tornar uma apresentadora, bem mediana, aliás. Mas, principalmente, na época em que freqüentava a casa da minha avó e não tinha qualquer poder sobre o controle remoto, pude observar que ali estava uma figura divertida. Ponto. Mais do que isso, o que sempre me chamou a atenção foram a futilidade e a postura reacionária, típica de apresentadores de massa. Ah, e os constrangedores ‘selinhos’ em seus convidados, marca da sua já avançada senilidade.
                Nunca vi em Hebe alguém com inteligência, ou com posições relevantes e ponderadas acerca dos problemas nacionais. Nunca vi em Hebe um ídolo, lógico, mas não chego nem a achar que mereceu o destaque que teve no fim da vida e, sobretudo, após sua morte. Estava no ostracismo, relegada à insignificante audiência da insignificante RedeTV!. Aliás, entre Hebe, Faustão e Datena vejo poucas diferenças e muitas semelhanças. Seu velório, no entanto, e, mais ainda, sua cobertura pela mídia, foram com honras dignas de vultos históricos.
                Personalidades significativas quando se vão deixam um legado para o país. Marcam sua existência, tem um significado na história nacional. Esse ano, por exemplo, perdemos Chico Anysio, um gênio indiscutível que se imortalizou na mente de todos os brasileiros. E a Hebe? O que ela nos deixa? Gargalhadas e beijos? Roupas e sapatos para doação? Não. Sinceramente: Nada. Precisamos é aprender a cultuar personalidades melhores.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

DILMA BRILHOU, DE NOVO

                 A presidenta Dilma Rousseff, mais uma vez brilhou ao abrir a assembleia das Nações Unidas em Nova York. Cercada de desconfianças quando foi lançada como eventual sucessora de Lula e vítima de uma campanha sórdida de que seria um fantoche do ex-presidente, já que por ele ‘criada’, Dilma vem, cada vez mais, provando sua capacidade como presidente e líder, melhor até que seu ‘criador’. Pelo segundo ano consecutivo ocupa o posto de terceira mulher mais poderosa do mundo, segundo a revista Forbes. No plano interno, comemora uma aprovação recorde de seu governo, atingindo 62%.
                No ano passado já havia proferido o discurso de abertura da mesma assembleia, a primeira mulher a realizar o feito, sendo alvo de muitos elogios e poucas críticas. Dessa vez ela foi ainda mais longe, não se furtando a discursar, sempre com conteúdo e opinião, sobre os principais temas políticos mundiais, desde os menos inflamáveis até os mais sensíveis. Dilma sabe falar. E sabe o que fala.
                Criticou com veemência a condução militar da questão Síria, defendendo a impossibilidade de qualquer solução que não seja pela via diplomática. Reiterou sua posição do ano passado sobre a Palestina, mantendo-se como partidária do reconhecimento da palestina como Estado soberano, em nome da paz. Criticou ainda o que chamou de preconceito islamofóbico. A presidente brasileira mostrou segurança e ponderação em seu discurso, mesmo tratando de temas tão espinhosos.
                Na questão econômica asseverou ser imprescindível uma cooperação entre países e organismos multilaterais. Usando da técnica, deixou claro não acreditar em soluções mirabolantes nem apenas baseadas em políticas monetárias. Criticou ainda a guerra fiscal de alguns países e rechaçou a acusação de protecionismo dirigida ao Brasil pelos Estados Unidos. Saiu-se bem melhor que Barack Obama que, como sempre acontece com os estadunidenses, falou deles e para eles. Dilma falou do mundo e para o mundo.
                Dilma herdou de Lula um país com uma invejável posição no cenário internacional, tudo aquilo que Fernando Henrique sonhou, mas não alcançou. Parece que há potencial para ir mais longe e ela sabe disso. E melhor, sabe como fazer.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

JESUS MAIS HUMANO. E CASADO.

                Mesmo não tendo religião, sempre achei Jesus um indivíduo muito interessante, sobretudo pelo seu lado de grande revolucionário, líder e defensor da justiça e da solidariedade. Mas faltava à biografia desse Jesus que eu admiro um fator: uma mulher. Ter tido ao menos uma mulher na vida faria de Jesus um homem mais completo, no meu modo de ver.
                E não é que agora pesquisadores da cultuada Harvard descobriram um papiro, supostamente dos antigos evangelhos, em que se lê que Jesus tinha uma esposa. E mais, que, segundo ele mesmo, ela poderia se tornar sua discípula. Vejam como são as coisas: alguém, em algum momento histórico, decidiu subjugar as mulheres, relegando-as a um absurdo segundo plano, tirando-as até mesmo de Jesus.
                Tenho sempre a impressão de que o lado humano de Jesus, que certamente o acompanhou, já que ele viveu, é sempre obscurecido. Parece-me que para as religiões cristãs, Jesus só deve ser retratado como filho de Deus, esquecendo-se de que ele também foi homem. E homem, na maioria dos casos, gosta de mulher.
                Líderes são sedutores. É da essência da liderança, até mesmo coopera na sua prática. Como acreditar, portanto, que Jesus, esse líder revolucionário tão grandioso, não se curvaria aos encantos femininos. Em nada atrapalharia sua obra, quem é homem sabe. Aliás, a maioria dos herois bíblicos era casada. E alguns tinham várias mulheres, inclusive. Por que não Jesus, já que foi o maior deles?
                Isso nos leva ainda, felizmente, à negação de que o prazer sexual seja associado ao pecado. Pois, se Jesus tinha mesmo uma mulher, e a autenticidade do papiro foi confirmada por pesquisadores de Harvard, destaque-se, ele certamente mantinha com ela relações sexuais. Nada mais natural. Até pra ele, enfim. E não vai aí nenhum desrespeito, ao contrário. Venho só demonstrar um acréscimo de admiração.
                A par de todas as teorias conspiratórias, códigos da Vinci e que tais, estamos diante um fato novo, científico, com autenticidade comprovada. Já se disse sobre evangelhos suprimidos. Será que esse é um fragmento daqueles? É certo que alguém atrasou em séculos a vida da mulher, afastando-a do maior símbolo religioso de todos os tempos. Mas agora sabemos que isso não partiu de Jesus, já que ele foi casado. Alguém deturpou a história mais uma vez, o que não surpreende.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

BIN LADEN E O SEBASTIANISMO

Como nessa semana o blog ficou sem texto e como hoje é dia 11 de setembro, decidi publicar um texto que escrevi no ano passado, antes da criação do O Percepcionista.

Don Sebastião I (1554-1578) foi o décimo sexto Rei de Portugal e desapareceu lutando na batalha de Alcácer-Quibir, no norte da África, em 1578. Como seu corpo nunca foi efetivamente encontrado, havendo relatos discordantes de possíveis visões posteriores do monarca, criou-se em torno de sua morte um mito – o Sebastianismo - segundo o qual o Rei não teria morrido e retornaria como um messias para salvar o povo português.
Osama Bin Laden (1957-2011), terrorista saudita, fundador e líder da rede terrorista al qaeda, foi o mentor do atentado contra as torres gêmeas, em Nova York, em setembro de 2001, dando início à chamada ‘guerra contra o terror’, tornando-se o inimigo público número 1 do século XXI. Um dos homens mais procurados do mundo, foi morto por tropas estadunidenses em uma mansão no Paquistão no último domingo.
Mesmo que aparentemente não se aviste semelhança entre os dois, a incerteza quanto ao destino de seus corpos pode causar efeito parecido. Os Estados Unidos optaram por jogar ao mar o corpo de Osama Bin Laden, num sepultamento simbólico, mesmo que injustificado. Ou seja, ninguém viu nem verá o cadáver.
Assim como o povo Português teve no mito criado em torno de Don Sebastião um mártir, capaz de, em seu retorno, significar o salvador de Portugal, país que se via sem autoconfiança, diante de derrotas que poderiam redundar na perda de sua soberania, alguns extremistas do islã, sobretudo talibãs, podem enxergar num Osama Bin Laden sem corpo, sem sepultamento, sem imagens que comprovem sua morte, um novo Don Sebastião, eventual messias, apto a, em sua volta, salvar a causa islâmica em sua eterna luta conta a sociedade judaico-cristã ocidental. O próprio Bin Laden chegou a afirmar que poucos como ele haviam sido enviados por Alá para se tornarem mártires. Os EUA parecem estar querendo fomentar a “dádiva”.
O Sebastianismo português tem inúmeros simpatizantes, havendo se espalhado inclusive em outros países colonizados por Portugal, como é o caso do Brasil. Radicais islâmicos, seguidores ou simpatizantes da causa de Osama, existem aos milhões pelo mundo, até mesmo no Brasil.
As conseqüências do patrocínio estadunidense ao Sebastianismo de Osama Bin Laden só poderão ser conhecidas no futuro. Mas é sabido que o ser humano é pródigo em criar mitos. Ainda mais com um fomento desses.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

JURIDICAMENTE CORRETO

                A terminologia ‘politicamente correto’ surgiu nos meios lingüísticos com o objetivo de evitar ou excluir da linguagem termos preconceituosos. Nasceu nos Estados Unidos e se difundiu pelo mundo e para outras áreas além das letras, para chateação de todos. Hoje somos seus reféns. Tudo tem de se curvar ao politicamente correto. Nossa fala, nossos hábitos, nossas condutas, nossa cultura, nossas piadas... Qualquer coisa que fuja desse modelo é mal vista, questionada, condenada.
                Com efeito, os humoristas têm sofrido, aparentemente, mais do que todos. A piada em que se incluem tipos como negros, gays, deficientes etc passou a ser execrada. Mesmo que tenha graça. O riso é dissimulado, não ‘pega bem’ rir dessas coisas. Aquele humor chamado de ‘humor negro’ está proibido, indiretamente. E pior, está sendo perseguido até pelo ministério público, fiscal da lei. O humorista está a um passo da bandidagem neste novo e lamentável cenário.
                Há pouco tempo o Rafinha Bastos foi investigado pelo ministério público por conta de uma piada associando mulheres feias e estupro. Agora é a vez de Rodrigo Santana cair na esparrela. Sua nova personagem no humorístico Zorra Total está sendo acusada de carregar um cunho racista. Outros também já experimentaram esse tipo de “intervenção”. É a ditadura do politicamente correto aliada a uma ‘sensibilidade’ extrema de nossa sociedade. Quando convém, é claro. Fico preocupado de que se queira mudar até o nome do atacante do Flamengo Negueba para algo como ‘afrodescendenteba’, por exemplo. Parece exagero. E é. Mas é isso que estão querendo com esse patrulhamento exagerado..
                Mas o que também assusta agora, sobretudo a partir dessas intervenções e investigações criminais que estão na moda, mais do que se adequar ao politicamente correto, é ter que se preocupar com o juridicamente correto. O risco de se falar ou fazer alguma coisa que antes era apenas uma ‘incorreção política’, está ganhando ares de delito. Processos judiciais são boa fonte de dinheiro e tem muita gente de olho. O que já era chato, agora é perigoso. E tome censura disfarçada. E vamos nos tornando cordeirinhos do pensamento único. Temos sempre de nos enquadrar. Agora sob pena de responder criminalmente ou de pagar vultosas indenizações. A justificativa é que esse tipo de manifestação é preconceituosa e/ou ofende aqueles que são retratados. Esquecem que é piada e que o que mede o humor é ter graça ou não. Ponto.
                A liberdade de expressão e pensamento é garantida pela Constituição da República. É valor em uma sociedade supostamente livre. Não é se limitando ou inibindo as manifestações bem humoradas, sejam elas politicamente corretas ou incorretas, engraçadas ou sem graça, que se chega a uma sociedade despida de preconceitos. A rigor, não sei nem se isso é possível. Mas como na maioria das vezes, estão fazendo do jeito errado.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ABORTO LÚCIDO

                Sempre faço duas perguntas aos meus alunos: “Quem é a favor do aborto?” e, em seguida, “quem é favor da legalização do aborto?”. Na grande maioria das vezes, os mesmos que levantam a mão para se mostrarem a favor do aborto, levantam também na segunda pergunta, imaginando, assim como os que não se manifestaram, tratar-se de perguntas idênticas. Não são.
                Na primeira, quero perguntar quem é a favor da prática do aborto, quem provavelmente praticaria ou, pelo menos, aprovaria. Na outra, muito diferente, quero saber quem seria favorável à liberdade de quem quer realizar o aborto poder fazê-lo com o amparo da lei, mesmo que ele não aprove a prática. É conceder direito a quem quer ter a conduta, independentemente de concordar-se com ela.
                A confusão é compreensível. O assunto aborto é delicado e a maioria evita. Se posicionar é arriscado e temeroso, para muitos. Ou, de antemão, já lançam um argumento truculento, nocivo a uma discussão lúcida, inteligente ou científica. E quase sempre a carga religiosa e/ou hipócrita é a marca deste “argumento”. É preciso deixar muito claro que a lei não pode sofrer influxo religioso já que vivemos em um Estado laico, sem religião e que garante a liberdade de crença, inclusive de não-crença.  Como explicar a uma atéia, por exemplo, que ela não pode fazer um aborto e que o fundamento da lei que proíbe é religioso?
                Ademais, fechar os olhos para a realidade, que nos mostra que a prática do aborto é constante, independentemente da proibição, inclusive por alguns que, quando perguntei, não levantaram as mãos em nenhuma das perguntas (hipocrisia) é perigoso e se revela uma omissão. Com efeito, as ricas, por exemplo, podem abortar com segurança, em clínicas especializadas. As pobres, muitas delas, morrem tentando abortar de maneira improvisada. E assim seguimos a lógica brasileira de que quem pode pagar, pode fazer, quem não pode se dana.
                Já passou da hora de se ter uma discussão lúcida sobre a legalização do aborto no Brasil, sem interferências de ordem religiosa ou de hipócrita. Já houve um primeiro passo, que foi o julgamento da ADPF 54 no Supremo Tribunal Federal que decidiu pela possibilidade do aborto do feto anencéfalo.  A discussão foi lúcida e científica. A consagração da laicidade impede tanto que o Estado intervenha ou interfira em questões de cunho eminentemente religioso, bem como proíbe que as decisões estatais sejam proferidas sobre influxos de qualquer crença ou religião. Segundo o ministro Marco Aurélio, relator do processo: “Paixões religiosas de toda ordem hão de ser colocadas à parte na condução do Estado. (...) Ao Estado brasileiro é terminantemente vedado promover qualquer religião”. Pecado e ilicitude são coisas diferentes.
                Há ainda o exemplo de países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde a prática é permitida em muitos de seus estados. Lá não há uma vulgarização da conduta, nem mesmo notícia de qualquer maldição sobre eles. Com uma eventual legalização consciente, lúcida, bem discutida, garante-se, no mínimo, a autodeterminação, o direito da mulher sobre o próprio corpo e a redução no número de mortes de gestantes que tentam abortar. E também uma diminuição na hipocrisia, o que já seria muito vantajoso.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

SIMBIOSE

                Segundo o dicionário on line de português, simbiose significa “associação de dois ou mais seres de espécies diferentes, que lhes permite viver com vantagens recíprocas e os caracteriza como um só organismo.” O termo também é utilizado em outras áreas e, fazendo uma analogia, podemos imaginá-lo até em atividades econômicas.
                Sempre que se instala uma empresa em uma cidade anunciam-se o número de empregos gerados de maneira direta e indireta. Os diretos, por óbvio, são os oferecidos pela própria empresa. E os indiretos são aqueles que o desenvolvimento da nova atividade traz a reboque. Assim, por exemplo, ocorre quando se inaugura uma fábrica de automóveis. Junto com ela provavelmente virão fábricas de peças, pneus etc, também geradores de empregos, os tais indiretos. A relação é simbiótica.
                Na economia informal também pode acontecer, como veremos, de maneira bem inusitada. Economia informal essa, aliás, muito ampla em nosso país, mas que não entra nos termômetros que medem as economias mundiais. Caso entrassem, alguns economistas, como Ricardo Amorim, garantem que o Brasil já seria a quarta maior economia do mundo.
                Cacoal, como se sabe, é uma cidade projetada e que, por anos teve um fluxo de trânsito bom e relativamente organizado, dispensando a utilização de semáforos. Agora isso acabou. Foram instalados quatro sinais de trânsito em nosso município, imaginando-se que com isso os problemas estariam resolvidos e que seria um sinal de progresso, sem trocadilhos. Não é isso, no entanto, que se pretende discutir agora.
                O que chamou a atenção foi que, a exemplo do que ocorre nas cidades de grande porte, logo que instalaram os sinais, quase que de maneira imediata, surgiram do nada os famosos malabaristas de fogo, aqueles que ficam jogando pro alto e girando bastões com pontas flamejantes e que, ao final, cobram uma espécie de couvert artístico dos motoristas parados esperando o sinal abrir.
                Seria um exemplo de simbiose econômica na economia informal? É possível que a instalação de sinais de trânsito tenha se tornado uma atividade econômica gerando empregos indiretos de malabaristas? Fiquei me perguntando como eles descobrem que novos semáforos foram instalados. Será que acompanham os processos de licitação? “Abriram quatro vagas de emprego em Cacoal.” A “contratação” deve ser na base do ‘quem chegar primeiro’, à maneira dos flanelinhas. Não dá pra saber ao certo, mas que impressiona a velocidade com que essas “vagas” são ocupadas, isso impressiona.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

FAMÍLIA DO FUTURO

                Um dos núcleos de personagens da atual novela das oito – Avenida Brasil – que mais se destaca é composto pelo ator Alexandre Borges e pelas atrizes Carolina Ferraz, Debora Bloch e Camila Morgado. Na trama, as três são mulheres do personagem Cadinho, vivido por Borges. Sempre com muito humor, ele se desdobrava para manter as três sem que uma soubesse da existência da outra, por óbvio.
                O malabarismo de Cadinho, no entanto, não durou muito e todas acabaram descobrindo a farsa do “trígamo”. Porém, na última semana foi ao ar a cena em que os quatro celebraram um acordo aceitando as múltiplas relações do personagem, que se dividirá consensualmente entre suas mulheres. O que chamou minha atenção foi o fato de que uma delas afirmou que eles formavam “a família do futuro”.
                Novelas e Direito não costumam andar bem e como professor de direito de família, não posso deixar passar o erro da afirmação sem, todavia, indicar a importância de uma ressalva. Vigora inexoravelmente no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da monogamia, não se admitindo mais de um casamento simultaneamente. Tal princípio alcança também a união estável. A legislação pátria repudia a formação de famílias paralelas.
                É sabido também, por outro lado, que a família é uma instituição cultural, moldada conforme os interesses de uma determinada sociedade em um certo período no tempo. A família monogâmica é milenar e serve de modelo para a maior parte dos países. Não se pode, contudo, negar que o formato tradicional da família vem experimentando uma flexibilização, ampliando-se o reconhecimento social e jurídico de novas entidades familiares, dentre elas, de maneira ainda bastante tímida, a família paralela, ora em comento. Há algumas decisões nesse sentido, inclusive aqui em Rondônia (autos n. 001.2008.001688-9, TJRO)
                O que me incumbe salientar é que a família, nos moldes considerados tradicionais, embora relativizada, não está nem estará tão cedo em extinção. Continua sendo uma família do presente e será, por muito tempo ainda, do futuro. A família paralela ou poligâmica retratada na novela pode vir a ser uma das famílias do futuro, em virtude da pluralidade do reconhecimento das entidades familiares, mas não ‘a’ família do futuro.
                Teorias como a do poliamor buscam justificar a possibilidade do novo modelo, afirmando que relações afetivas podem ocorrer concomitantemente, inclusive de maneira consensual, admitindo-se que é possível se amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, já que, conforme a referida teoria, a monogamia não seria o padrão dominante entre as espécies, inclusive a humana.
                Resta saber se nossa sociedade já está apta a absorver e reconhecer tal modelo na vida real. Note-se que na trama é um homem que tem três mulheres. E se fosse o contrário? Ainda vejo a nossa sociedade altamente machista e tenho certeza que a mulher que tivesse três homens seria execrada e tida como vagabunda, assim como certamente ainda serão consideradas aquelas que dividem o mesmo homem.  Mas como a formação familiar com base no afeto é algo em que a decisão pessoal tem fundamental importância, deixo a pergunta: E se fosse com você?

terça-feira, 7 de agosto de 2012

UMA MERDA...

                O falso moralismo e a bitolada obediência ao politicamente correto ganharam destaque na transmissão olímpica da Rede Globo em Londres que, por não deter os direitos de transmissão para a TV aberta, apostou suas fichas no Sportv, canal a cabo da sua subsidiária Globosat.
                A atleta brasileira Ana Cláudia Lemos, ao ser abordada imediatamente após seu fraco desempenho na prova dos 200 metros rasos nas Olimpíadas, disparou: “foi uma merda... foi frustrante, esperava mais de mim. Agora é esperar o revezamento. Tecnicamente não foi nada bom pra mim hoje, não sei o que aconteceu, mas não fiz nada certo” O narrador e o comentarista ignoraram a decepção e o sofrimento da atleta, treina exaustivamente em busca de um bom resultado olímpico que não fora atingido, bem como toda a racionalidade da maior parte da sua fala e partiram pra cima da brasileira.
                O ex-corredor e hoje comentarista André Domingos afirmou “que o atleta tem de ser educado e precisa se controlar.” E o narrador Roby Porto emendou pedindo desculpas ao telespectador que “não tinha de ouvir isso”. Ouvir o que Roby? O que se ouve nas novelas e nos programas da própria Globo? O que se ouve quando alguém está efetivamente chateado, o que se ouve quando se extravasa?
                Se a brasileira tivesse feito alguma manobra na “malandragem”, talvez não levasse uma lição de moral, já que seria o famoso ‘jeitinho brasileiro’. Se tivesse se ajoelhado e agradecido aos céus por seu fraco desempenho, certamente seria exaltada em nome da nova ‘moral’ brasileira. Se tivesse agradecido aos seus patrocinadores, seu técnico e sua família então... Até se tivesse inventado uma desculpa seria absolvida. Mas, como disse ‘nome feio’... E em um canal que pertence à Globo...
                Engraçado é que a Rede Globo não pede desculpas ao telespectador quando manipula notícias nem quando insulta a inteligência do brasileiro com seus programas absurdos nem mesmo quando põe no ar entrevistas e depoimentos baseados em mentiras. Não dá para ser ético pela metade. E, além disso, esse ‘politicamente correto’ é um saco. Aliás, acho que esse texto ficou uma merda...

segunda-feira, 30 de julho de 2012

VALE TUDO MESMO

               Em seus primórdios, o que hoje se conhece como MMA – Mixed Martial Arts (Artes marciais mistas) ou UFC – Ultimate Fight Championship – era chamado simplesmente de “Vale-tudo”, já que era uma mistura de técnicas e estilos de lutas em que as regras eram mínimas e a diversidade evidente. Valia quase tudo mesmo. Hoje o esporte está altamente profissionalizado e faz sucesso em grande parte do mundo.
                Ironicamente, saiu na internet a notícia de que uma igreja evangélica de São Paulo irá realizar seu próprio campeonato de MMA. O objetivo, segundo o site, é o de arrebanhar mais fiéis. O líder religioso declarou que “é melhor perder um pouco de sangue em uma luta dessas do que a vida nas drogas ou na criminalidade”. Parece que agora estamos diante do Vale-tudo da guerra por fiéis que vem marcando a relação entre igrejas.
                É indiscutível que o MMA está na moda e em franca expansão no país, mas daí a misturá-lo com religião parece um pouco demais. A sanha em se arregimentar fiéis parece mesmo ser insaciável e a disputa parece ser um tanto “criativa”. Não é fácil conceber que, para engrossar as fileiras daqueles que frequentam algum recinto para professar sua fé, se valha de uma luta que por vezes é sangrenta e, sem dúvida, altamente violenta. Soa como banalização da fé e confunde os verdadeiros objetivos de uma religião. Mas isso já vem acontecendo há muito tempo. E não só entre as evangélicas. A católica, que perdeu uma enormidade de fiéis segundo o último censo, também se vale de alguns expedientes heterodoxos, sobretudo utilizando padres pop stars e afagos da Rede Globo.
                O professor Ismael Cury, diretor da Unesc, fez dia desses uma observação bastante pertinente e que confirma essa banalização. Segundo ele, consta da bíblia que Jesus fez, durante sua existência na terra, trinta e um milagres. Hoje, basta ligar a televisão em algum desses infindáveis programas religiosos para ver um sujeito realizar esses mesmo trinta e um milagres em um só dia. Estão banalizando até o milagre. E o pior é que tem gente que acredita. E muita.
                Mário Quintana, em um arroubo ateu, versou que “milagre não é dar vida ao corpo extinto, ou luz ao cego, ou eloquencia ao mudo... Nem mudar água pura em vinho tinto... Milagre é acreditarem nisso tudo!” Talvez não se chegue a tanto, mas é difícil discordar de que as coisas estão banalizadas, que objetivos estão distorcidos e que as pessoas estão muito crédulas.
                A mistura entre fé, poder, dinheiro, marketing etc aliada a charlatães, ludíbrios e escândalos, não parece auspiciosa. E a “concorrência” nesta área está cada vez maior. Tanto é que, bastou uma luta estar na moda para entrar no “show” promovido por algumas religiões. Da mesma forma que oferecem lutas, oferecem milagres, curas, sucesso e outros dotes absolutamente difíceis de se atingir com um simples toque ou desígnio de um sacerdote. Qual será a próxima “jogada de marketing”? Está valendo tudo mesmo.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O FUMO E A LEPRA

                Leprosos foram excluídos e marginalizados durante séculos. A lepra era uma doença sem cura, transmissível ao contato, assustadora, que fazia com que se isolassem seus portadores e causava efetivamente um pânico social a possibilidade de convívio com leprosos. Li que até na bíblia a lepra era considerada um mal absurdo, tido mesmo como um pecado. Hoje, a doença tem cura e, em nome do politicamente correto, nem se chama mais de lepra e sim Hanseníase.
                Os fumantes estão se tornando os novos leprosos. Há uma campanha pela ojeriza ao fumo tão marcante que, mesmo pessoas que até pouco tempo não se incomodavam com o cigarro, passaram a participar dessa cruzada anti-tabagista. Aparentemente em nome da chamada “boa saúde” e de uma duvidosa preocupação com a saúde do próximo.
                Pensa-se, equivocadamente, que só o fato de não fumar – aliado ao de combater o fumo – já serve como garantidor de saúde próspera. Tive a oportunidade de visitar alguns shoppings nessas férias e, pelas enormes filas de Mc Donald’s, Burger Kings e outros, vi que a população está muito preocupada com a saúde... Mas o cigarro é o vilão da vez e a campanha é forte e angaria cada vez mais adeptos e defensores. Leis anti-fumo pipocam pelo mundo e isolam cada vez mais os tabagistas.
                Não vai longe o tempo em que se podia fumar em qualquer lugar e em que a maioria das pessoas fumava, ou, no mínimo, não se importava. Fumar era um hábito social. No cinema era até sinônimo de charme ou de rebeldia. Hoje, se assumir fumante parece o mesmo que dizer que comete um crime grave. “Você fuma????”. O fumante passou a causar espanto, embaraço e passa também por um processo de marginalização. Já não se diz que não se pode fumar em todos os lugares. Na verdade são raros os lugares onde isso é permitido. Criam-se dificuldades imaginando que isso inibirá a prática.
                Um dos argumentos - ridículo por sinal - é de que o fumante passivo está mais exposto aos malefícios do cigarro do que o próprio fumante. Ora, se for assim, talvez seja então melhor fumar do que não fumar. Se o fumante passivo está em piores condições que a ativo, vamos todos fumar.
                Brincadeiras à parte, já é mais que sabido que não se deixa de fazer alguma coisa por esta ser proibida. Se faz ou não se faz algo pela consciência que se tem de que aquilo é certo ou errado. Num tempo em que se defende tanto a liberdade nas escolhas, a ditadura, a truculência e a marginalização impostas aos fumantes não resolverão qualquer problema e certamente serão nocivas. Que o digam os antigos leprosos.

terça-feira, 3 de julho de 2012

OS OPOSTOS SE AFASTAM

               É famosa a lei da física que dispõe que “os opostos se atraem”. Trata-se da parte referente ao eletromagnetismo em que os pólos magnéticos positivos atraem pólos magnéticos negativos e que aqueles iguais, positivos ou negativos, se repelem. Na física, ciência exata, isso é possível e invariável. No entanto, insistem em transportar tal lei para outros campos em que ela, definitivamente, não se aplicará.
                Muito comum se ouvir, sobretudo quando se refere a relacionamentos humanos, que “os opostos se atraem”. Será mesmo? Parece pouco provável. As relações humanas não são travadas de maneira matemática, exata, nem mesmo são pautadas na busca de pessoas que representam nosso avesso.
                Por influência da fama da expressão, muitas pessoas acabam por se enganar, imaginando que a busca por alguém deva ser orientada por uma investigação das diferenças e não das semelhanças. A rigor, demora-se um pouco a se extrair as características de alguém. Não as trazemos estampadas na testa, demandando-se algum contato e convivência para que se conheça um pouco sobre a pessoa. E, em alguns casos, isso nunca chega a acontecer.
                A expressão serve não só para relações matrimoniais, embora seja onde mais se imagine a possibilidade da atração de opostos. Acontece de vermos casais aparentemente inconcebíveis devido a abismos em relação a suas características. No entanto, são esses os que mais se frustram.
                 Também nas amizades, nas relações profissionais, familiares, escolares, sociais etc, nos aproximamos daqueles que se parecem conosco. Compartilhamos e dividimos semelhanças e não diferenças. Daí a inafastável formação de grupos. Esses grupos são grupos de interesse. E são esses interesses comuns, sejam da natureza que for, que unem os seres humanos em suas relações interpessoais.
                Dizer, em termos de relações humanas, que “os opostos se atraem” só serve para justificar más escolhas. Opostos se afastam neste âmbito, pelo menos na esmagadora maioria dos casos. Por mais que procuremos relações que nos completem, não será por meio de nossos antípodas. Características semelhantes é que fazem com que nos aproximemos dessa completude.
                Talvez o problema maior seja encontrar o semelhante. Daí a precipitação em se aceitar até mesmo o oposto. O brilhante Mário Quintana afirmou: “Se eu amo meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar meu semelhante? 
               

terça-feira, 26 de junho de 2012

UM FANTASMA RONDA OS MAUS JUÍZES

               Talvez se procurarmos nas fábulas, mitologias e lendas encontraremos a figura de alguém, que, ao se ver questionado e acusado por suas condutas, passe sempre a desqualificar o acusador em vez de provar que não age errado.
                A pesquisa não foi feita nas alegorias, mas, lamentavelmente, nos deparamos com essa situação no decorrer da história. Atualmente, no Brasil, quem protagoniza é o Poder Judiciário. Tudo por conta da atuação do Conselho Nacional de Justiça.
                A criação do CNJ foi estabelecida pela emenda constitucional n. 45 e seus trabalhos iniciaram em junho de 2005. É composto de quinze membros, entre integrantes do poder judiciário (maioria), advogados, promotores e representantes da sociedade civil. Sua missão, segundo o sítio do órgão na internet, é “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade, em benefício da sociedade”.
                É o que se espera de um órgão de controle. Menos na visão dos “controlados”. Após a declaração da Corregedora Nacional de Justiça Eliana Calmon, Ministra do STJ, de que no Brasil existem “bandidos de toga”, a reação do Judiciário foi enérgica. Não no sentido de mostrar que não existem e sim de desqualificar a corregedora do CNJ e a própria instituição.
                O termo utilizado pode até ser pesado, mas por que o susto com a afirmação? Está óbvio que ela utilizou “bandido” como sinônimo de criminoso, aquele que comete algum tipo de crime. Da mesma forma que existem bandidos de terno, de batina, de capacete, de chuteiras, de farda, sem camisa... Ou será que a toga imuniza o portador? Infelizmente, temos maus sujeitos em todos os segmentos sociais, inclusive no Judiciário. 
                A fala da Ministra deveria servir aos bons Juízes. É a melhor hora de mostrar que nada devem e estão longe de fazer parte da corja de bandidos. A reação que se espera do inocente é a de, ao ser acusado de alguma coisa que não fez, provar que não tem culpa. E não evitar ou tentar impedir que se investigue ou confiar em corregedorias paternalistas. Ele pode até mesmo se antecipar.
                Certo é que o Supremo Tribunal Federal, em votação apertada (6x5), confirmou a autonomia e o poder originário do CNJ para investigar e punir maus membros do Poder Judiciário. Deve ser estranho ser julgado, quando normalmente só se julga. Mas fiquem tranqüilos os bons Juízes: Só os bandidos é que estão em risco.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

MENTE SÃ EM CORPO SÃO. TALVEZ NÃO.

               A famosa frase do poeta italiano Juvenal (século I) “mens sana in corpore sano” atravessa os séculos e vem a cada dia ganhando novas interpretações, muitas vezes deturpadas e servindo de mantra para uma vida “correta e feliz”.  Será mesmo que precisamos de uma mente sã? Ou o que seria efetivamente uma mente sã?
                O genial escritor peruano Mario Vargas Llosa em seus “Cadernos de dom Rigoberto” (Ed Alfaguara, 2010, p. 98) faz dura e absolutamente razoável crítica à famosa expressão. Segundo ele, “quem disse que uma mente sã é desejável? “Sã”, nesse caso quer dizer tola, convencional, sem imaginação e sem malícia, arrebanhada pelos estereótipos da moral estabelecida. (...) Uma vida mental rica e própria exige curiosidade, malícia, fantasia e desejos insatisfeitos, isto é, uma mente “suja”, maus pensamentos, floração de imagens proibidas, apetites que induzam a explorar a desconhecido e a renovar o conhecido, desacatos sistemáticos às idéias herdadas, aos conhecimentos manipulados e aos valores em voga.”
                Aduz ainda, na outra banda da questão, que aparentemente a prática de esportes, em que pese tornar o corpo saudável, não redunda numa mente sã, já que hoje se vê – e muito – desportistas se valendo de expedientes vis, trapaças, corrupção de árbitros, dopping etc.
                As críticas do escritor, na pessoa do divertido personagem Dom Rigoberto, merecem aplausos. Sobretudo nos dias de hoje em que vivemos sob a “ditadura do bem” ou o “monopólio da virtude” por parte do Estado.
                Invariavelmente e cada vez com mais veemência, nos dizem, por todos os canais, o que devemos fazer para termos uma vida “correta”. Mas correta aos olhos de quem? O tempo todo nos dizem o que devemos comer, o quanto podemos beber, que não se pode fumar absolutamente, que devemos praticar alguma religião, trabalhar o máximo que pudermos, o que devemos ouvir (normalmente de gosto duvidoso), ler ou consumir.
Será que tudo isso leva a uma mente sã? A autonomia individual vem sendo cada vez mais reduzida, quando deveria ocorrer o inverso. Se vivemos em uma sociedade pautada pelo liberalismo, a liberdade individual teria de ser promovida e não dirigida. Estamos sofrendo uma espécie de robotização em nome de valores, pessoas e dogmas seguramente questionáveis.
É imprescindível que se questione, que se polemize, que se descubra novos caminhos, sob pena de nos tornarmos servis a uma suposta moral que nem sempre atende de maneira inteligente a todos. Ou que não respeita opiniões ou diferenças. Polêmicas do passado se transformaram em grandes conquistas do presente. Não podemos conceber que ter uma mente sã (se isso for mesmo necessário) seja acatar tudo aquilo que nos impõem.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

DE PERTO, QUEM É NORMAL?

                Ficou muito famosa a frase de Caetano Veloso em que ele afirma que “de perto ninguém é normal”. Freud também disse algo parecido. Talvez mesmo nem de perto nem de longe sejamos normais já que o que se deve perguntar é: o que é ser normal?
                Segundo Jaques Testard, cientista francês “a normalidade não provém de nenhuma definição racional, mas de uma certa relação entre o indivíduo julgado e o grupo que se autoriza a julgar.” Ora, temos portanto que não existe um padrão de normalidade; ao contrário, a própria normalidade é relativa, conforme a análise do observador.
                Em uma sociedade que muda a todo instante, que se reinventa, que se contesta, que evolui (ou involui), fica ainda mais difícil imaginar quem ou que seria normal. Se atribuirá efetivamente a ideais de pensamento, práticas ou grupos, definições pontuais e setoriais que dificilmente trarão um padrão de “normalidade”.
                Conservadores, tradicionalistas e reacionários insistirão em um padrão normal condizente com aquilo que era, mas que provavelmente já não é mais, se fiando na falsa impressão de que as coisas não mudam e que, se mudam, pioram.
                Modernos, pós-modernos, vanguardistas, trilharão pelo caminho da diferença para se chegar à normalidade. Ser diferente reconhecidamente dentro de cada estereótipo pode significar ser normal. Ou não, paradoxalmente.
                Caetano mesmo, com a frase citada acima, verso da bela música ‘Vaca Profana’, quer justificar que também sabe ser careta, já que, segundo ele, “de perto ninguém é normal”. Ser careta para Caetano seria não ser tão normal. Mais uma confirmação do julgamento conforme o julgador.
                Para a jurista Maria Celina Bodin de Moraes não existe uma identidade humana comum e que as diferenças existentes entre os indivíduos são facilmente comprováveis: quem são normais, os cultos ou os iletrados? Os sadios ou os deficientes? Os religiosos ou os laicos? Os revolucionários ou os conservadores? Os destros ou os canhotos? Os solteiros ou os casados? E por aí vai...
                A sociedade atual se pretende pluralista, reconhecedora e acolhedora dos ditos “diferentes” ou do reconhecimento das diferenças. Se é assim, cada vez menos teremos um “padrão” de normalidade, se é que teremos ou que desejamos ter. Talvez o melhor seja chegarmos à conclusão que nem de perto, nem de longe somos normais nem não-normais.

domingo, 27 de maio de 2012

A CAPOTADINHA NOSSA DE CADA DIA

               Não sei por que até hoje insistem em entrevistar jogadores e técnicos de futebol. Eles não sabem, não gostam e não querem falar. Os repórteres fazem as mesmas perguntas, os jogadores dão as mesmas respostas. Sempre. Os técnicos, por sua vez, são sempre antipáticos, arrogantes, sobretudo depois de uma derrota. São obrigados a enfrentar um exército de jornalistas sem inspiração, em busca de alguma declaração “relevante” para rechear os noticiários esportivos e fazer parecer à audiência (torcida) que eles todos estão preocupados com ela.
                Eles são obrigados, por contrato entre os times e as emissoras, a estar ali, “dispostos” a responder às perguntas. É muito raro sair alguma coisa aproveitável. Agora, “pérolas” da sabedoria são constantes. Nesse ponto, os jogadores e técnicos são imbatíveis. Já foi motivo de orgulho jogar em Belém do Pará, por ser, segundo o jogador, a terra em que Jesus nasceu. Afirmaram que “clássico é clássico e vice versa”. Ou ainda, para exaltar a hospitalidade baiana, que “o povo baiano é muito hospitalar.”
                Muitas vezes, entrevistas como essas entram pro folclore do esporte nacional. E outras tantas, causam perplexidade e indignação. Isso aconteceu na última semana. O atacante do Flamengo Vagner Love, talvez influenciado pela vocação do time em produzir episódios infelizes, perguntou aos presentes, após ser questionado sobre o caso de outro jogador do time que sofrera um grave acidente: “Quem nunca deu uma ‘capotadinha’ de carro?”
                Ora Vagner, me desculpe, mas provavelmente a maioria das pessoas. Principalmente aquelas que sabem e conseguem manter o controle, dirigindo de maneira responsável ou que nenhum louco tenha atravessado seu caminho. Acidentes acontecem, mas são exceção e não regra. Eu, particularmente, nunca dei minha ‘capotadinha’ e nem pretendo. Felizmente, conheço poucas pessoas que já passaram por isso. Porém, depois da indagação de Vagner Love já não sei se sou normal ou não.
                Fez lembrar uma entrevista – lamentável – do ex- goleiro, também do Flamengo, e hoje presidiário Bruno, que em uma situação semelhante, respondendo as acusações de que havia agido com violência contra uma mulher, também questionou: “quem nunca ‘saiu na mão’ com sua mulher?”. Ora, se for assim, me senti mais uma vez excluído. É óbvio que eu nunca ‘saí na mão’ com a minha mulher, o que, além de absurdo, é crime. Ainda bem que eu não sou jogador de futebol. Melhor pra mim. E pro futebol.
                Para tentar amenizar as atitudes repugnantes ou indesejáveis em que se colocam, tentam nos convencer que se tratam de passagens comuns na vida de todo mundo, meros incidentes, corriqueiros. Ora, quem nunca fez ou passou por uma aberração dessas? Somos todos iguais, comuns, normais. De jeito nenhum, meus caros jogadores.
                Não sei que função cumprem as entrevistas com jogadores e técnicos, além de se transformar em episódios de repúdio ou de humor. Acabam todos perdendo tempo. Os repórteres, que tentam, em vão, obter algo útil, os programas esportivos que acreditam ainda que isso seja possível, e nós, espectadores e torcedores, que, por vivermos uma vida “normal”, não nos enquadramos nas ‘pérolas’ dos entrevistados.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

VOCÊ ACREDITOU NA XUXA?

                O quadro ‘O que vi da vida’, apresentado semanalmente pelo Fantástico da Globo tem como objetivo uma entrevista franca com notáveis, sendo marcado por “revelações”, declarações polêmicas ou depoimentos comoventes. Já participaram Zeca Pagodinho, Lima Duarte e Chico Anysio, que realmente fizeram valer a audiência, alternando momentos engraçados com outros sérios, reveladores e, sobretudo, sinceros.
                A última entrevistada do quadro foi a Xuxa e, sinceramente, não dá pra atestar credibilidade e franqueza ao que foi falado. Xuxa não é, nem nunca foi, sinônimo de transparência ou sinceridade. Assim que foi anunciada a entrevista, como um “depoimento corajoso, revelador e emocionante”, já me vi cético quanto ao que seria dito e garanti que questões efetivamente importantes e das quais o público nunca a ouviu se posicionar, seriam sequer ventiladas. Houve uma tentativa de reverenciar um romance, como se fosse a coisa mais linda que já houve, com alguém que já se foi. Convenientemente, em outras partes, ocultou nomes e fatos e tentou colocar-se como alguém “comum”. Difícil acreditar, por exemplo, que Xuxa tenha orgulho de ser suburbana, como afirmou.
                Xuxa “revelou” que sofreu abusos até os treze anos, sem, no entanto, explicar direito, alegando uma conveniente amnésia. Foi evasiva, generalizou e acabou não dizendo nada. É neste terreno de abusos onde reside propriamente um dos assuntos que deveriam ter sido tratados, caso fosse uma entrevista efetivamente franca, qual seja, o filme erótico estrelado por ela em que contracena com um menor de apenas doze anos, em cenas absolutamente picantes. Consta que Xuxa conseguiu recolher, à custa de muita grana, quase que completamente, as cópias existentes do filme. Se fosse hoje, com a velocidade da internet e sua falta de limites, cada um teria uma cópia em seu e-mail. Que o diga Carolina Dieckmann.
                Mas o que importa não é o recolhimentos das fitas e sim o que ela fez com o menino de apenas doze anos nas filmagens. O Código Penal dispõe ser presumida a violência sexual quando haja relação com menor de quatorze anos. De clareza solar, portanto, que Xuxa também foi algoz. No entanto, diante da gigantesca audiência do Fantástico, se limitou a se vitimizar e esquecer que já deixara suas próprias vítimas. Posou ainda de inflexível defensora das crianças vítimas de abusos.
                Continuando, ergueu um enorme altar para Ayrton Senna, jungido a grande amor de sua vida e exemplo inquestionável - para ela - de grande homem, irrepreensível. É cômodo, diante da grande cobrança que recebe diuturnamente, se mostrar também como exemplo de boa mulher, boa mãe e com uma família sólida, do ponto de vista burguês-clássico e buscar no além a companhia ideal. Senna não voltará, mas será sempre seu “grande amor”, evitando cobranças desagradáveis. Seria como dizer: “meu homem já está no céu, desculpe”. Xuxa se colocou como viúva de Senna. Os dois “queridinhos do Brasil”. Pode encontrar concorrência, já que outra loura também se imagina nessa condição, talvez até com mais propriedade, pois era sua namorada na época de sua morte.
                Xuxa forçou uma humildade e uma simplicidade que todo mundo sabe que ela não tem. Tentou um choro em algumas oportunidades, mas parece que as lágrimas se recusaram a participar da farsa. Mostrou um pragmatismo incrível e soube usar o espaço para reforçar sua imagem de candura, criada e moldada pelos gênios globais. Faltou a devida espontaneidade. Soou muito falso, difícil de acreditar no que foi dito, o que não parecia ser o intuito do “depoimento”.

JÁ FOMOS INTELIGENTES?

                Recentemente, o jornalista Carlos Nascimento cravou em um comentário no Jornal do SBT, do qual é âncora, que nós brasileiros “já fomos mais inteligentes”. Nascimento estava inconformado com as últimas notícias que acabara de transmitir envolvendo a repercussão do fenômeno Luísa (aquela que estava no Canadá e, de repente, ficou em todo lugar) e do suposto estupro no Big Brother Brasil.
                Soou ranzinza e acabou por confundir inteligência com bom gosto. Além de esquecer o gigantesco poder da internet. A pergunta que surge, no entanto, é a seguinte: “já fomos mesmo inteligentes?”
                O Brasil sempre se destacou muito mais por suas atividades corporais do que cerebrais. Somos referência mundial em esportes e danças, havendo brasileiros consagrados mundialmente nestas áreas. Mas quando o assunto é cérebro, não chamamos tanto a atenção. Para se ter uma idéia o Brasil nunca ganhou um prêmio Nobel. Ao contrário de nossos vizinhos sul-americanos. A Argentina já abocanhou três em áreas científicas e outros países como Peru e Colômbia ganharam em literatura.
                Nas artes tivemos alguns movimentos interessantes e destacados como a Semana de Arte Moderna de 22, a MPB e o carnaval. Mas, mesmo dependentes de grande inteligência, se destacam mais pela inspiração e o talento de seus integrantes.
                Não se quer aqui afirmar que não somos inteligentes, apenas que temos a mesma inteligência de outrora. Talvez tivesse mais razão o Carlos Nascimento se dissesse que já tivemos mais bom gosto. Neste ponto realmente regredimos.
                A culpa em parte vai do gosto individual, mas o que transforma em algo coletivo é o fato de que há muito tempo só recebemos porcarias. Acabamos por ser resultado daquilo que vemos e ouvimos o tempo todo. A massificação do mau gosto traz esse tipo de resultado. O próprio canal em que trabalha o citado jornalista não preza pelo bom gosto.
   Música universitária nos anos 60 e 70 era MPB. Nos 80, rock. Hoje é esse sertanejo estilizado (e de gosto duvidoso). Os livros daquelas épocas eram os clássicos e os de grandes escritores premiados. Hoje são de auto-ajuda (o Brasil é o penúltimo colocado no ranking de leitura na América latina). Havia luta pela liberdade. Hoje estamos cada vez mais reclusos, satisfeitos com o que a internet e a TV nos despejam.
                É claro que precisamos de diversão barata, que, pelo visto, incomodou muito o apresentador. Mas só isso não basta. É claro que não podemos achar que a vida é um big brother e nem que um fenômeno repentino e efêmero como Luísa ou a família "para nossa alegria" tem alguma relevância. Temos a mesma inteligência. Só precisamos recuperar o bom gosto.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

ANTICLIMAX

               A pelada da turma da oito acontece há mais de vinte anos, reunindo amigos. Alguns são bons de bola, outros nem tanto e ainda uns nem um pouco. Todo sábado à tarde o ritual é o mesmo: Aos poucos vão chegando ao campinho onde se joga o tradicional futebol ‘society’ os protagonistas do “espetáculo”. O primeiro a chegar é sempre o velho Rocha, principal organizador e entusiasta do encontro semanal. O último é sempre o Gérson, que, quando chega, fica sempre para jogar a segunda partida.
                Durante esses mais de vinte anos já aconteceu de tudo na pelada da turma da oito: Brigas homéricas, pazes feitas, novas amizades, gols espetaculares, frangos históricos, apostas pagas e não pagas, disputa entre solteiros e casados, participação de jogadores famosos, de cantores, de políticos fazendo campanha, churrasco de todas as carnes imagináveis, comíveis e não comíveis, mulheres buscando marido pela orelha e por aí vai. Além daquelas que o pessoal jurou guardar segredo.
                Teve uma vez em que o Rochinha, filho do velho Rocha, apareceu acompanhado de um camarada cheio de marra, apresentado à turma como seu novo colega na repartição onde trabalhava como vistoriador de veículos.
                O sujeito parecia um jogador profissional. Tinha toda a pinta. Camisa da seleção da Espanha com a gola virada para cima, impecável. O short da marca esportiva mais famosa e vendida do mundo, no comprimento exato. Meião da marca concorrente, baixado à altura da caneleira e uma chuteira reluzente, do mesmo modelo usado pelos maiores craques do futebol mundial. Bastou o indivíduo começar o aquecimento, que fazia à maneira dos jogadores profissionais, com saltinhos e pequenas corridinhas, para chamar a atenção da turma e despertar sussurros do tipo: “esse cara deve jogar muito.”
                Com efeito, o amigo do Rochinha foi o primeiro a ser escolhido quando da formação dos times, tamanha era a expectativa da turma sobre o novo “craque”. Bastou o primeiro toque na bola para ele mostrar a que viera. Recebeu um lançamento perfeito, na cara do gol, e... deu uma “furada”, daquelas que derruba o camarada no chão. Levantou-se, pediu desculpas e continuou, pronto para a próxima, que não demorou a chegar. Bola de novo pra ele no ataque. Só que, em vez de dominar, pisou nela e levou um tombo pior do que o anterior. Não bastasse isso, depois de cinco minutos de jogo, já não conseguia correr e pediu para sair. Que decepção! Saiu sob insultos e gritos de “não precisa mais voltar!”
                O problema era que a pelada estava contada, ou seja, os dois times estavam com o número exato de jogadores e não havia ninguém esperando do lado de fora. Olharam à volta na esperança de encontrar alguém e perceberam que havia um moleque, em cima de uma árvore, observando tudo. Perguntaram àquele moleque magricela, maltrapilho, sem camisa, que calçava uma daquelas sandálias que hoje são famosas, mas que quando seu pai as comprou há muitos anos eram as mais baratas do mercado, com um short roto, que herdara do irmão mais velho, se ele queria participar do jogo, no lugar do decepcionante “craque”.
                O menino, envaidecido com o convite, aceitou de pronto, descendo imediatamente da árvore e já se postando em campo no lugar de seu malfadado antecessor. Não demorou ao moleque mostrar a que viera. Bastou uma bola para ele e a conclusão foi unânime... ele era pior do que o outro. Furou, caiu, perdeu gol sem goleiro, fez gol contra... Decepção geral, novamente.
                Estão vendo, de onde menos se espera é que não sai nada mesmo.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

FORA, NEYMAR!

               Como já era sabido, o Neymar foi campeão de novo. Digo que o Neymar foi campeão de novo por que tenho certeza de que, sem ele, os resultados não seriam tão bons para o Santos. Como não sou jornalista nem comentarista esportivo, posso fazer esse tipo de afirmação sem perigo de blasfemar ou de sofrer algum remorso, que aqueles se acovardariam muitas vezes a fazer.
                Concordo com meu amigo William Gama do blog ‘O trovante’ quando ele afirma que o Neymar já é melhor que o Messi, uma vez que o Messi, embora seja um indiscutível craque, dos melhores que já houve, faz, melhor que ninguém, o previsível. Já o Neymar, faz melhor que ninguém, o imprevisível. E parece-me muito mais interessante e melhor para o futebol e para seus aficcionados. Neymar dá mais espetáculo que o Messi. E o Messi joga em um time excelente. O neymar joga em um time bom.
                Só tem um problema: não consigo torcer pelo Neymar.Ele ganha tudo e não joga pelo meu time. Não quero nem pensar no dia em que o Neymar vai atropelar o meu combalido Flamengo no Campeonato Brasileiro. Como disse, não sou jornalista nem comentarista e não tenho que, hipocritamente, enaltecer o Neymar enquanto ele massacra o meu time. Sou torcedor, apaixonado.
                O Professor Rogério Dias, corintiano, tem a solução. Neymar deve ir para a Europa, pra nós podermos torcer por ele. Só torcem pelo Neymar jogando no Brasil os santistas, os sem-time e os hipócritas. É claro que eu quero ver belas jogadas, gols incríveis, mas ninguém que torce realmente por futebol, admite qualquer hegemonia ou uma amenização da derrota do seu time com um show do Neymar. Não quero shows do Neymar contra o Flamengo. E, se continuar assim, o Santos vai ganhar tudo. Se bobear, ganha até do Barcelona...
                Neymar na Europa seria uma ótima. Lembro-me de ver esse ano vários jogos entre times europeus, sempre elegendo aquele pelo qual torceria momentaneamente, principalmente em virtude da presença de algum jogador mais espetacular. Se o Neymar jogasse por algum deles, certamente teria minha incondicional torcida. Minha e do Brasil inteiro. Mas por aqui não. Não dá.
                O Neymar já fez tudo que tinha de fazer por aqui. Está na hora de consolidar sua condição de ‘melhor do mundo’ perante o mundo do futebol, o que só se consegue jogando em um grande time europeu. E não faltam interessados nele. Vai Neymar, queremos torcer por você de verdade.

domingo, 13 de maio de 2012

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

                O cientista africano Richard Dawkins, fervoroso defensor da inexistência de Deus critica o que chama de “estranha convenção quase universalmente aceita” a de que “a fé religiosa é dona de um privilégio único: estar além e acima de qualquer crítica”.
                Parece-me ter razão o Dr. Dawkins. É aceita com naturalidade por todo mundo a pessoa que afirma não gostar de futebol, de lutas, de política, de proteção ambiental, até de leis ou ainda ser crítico fervoroso de comportamentos, pessoas etc. Mas se arrisque a dizer que não gosta de religião ou venha a critica-las.
                A intolerância religiosa é absolutamente nociva e defende-se com veemência o seu contrário, qual seja a tolerância aliada à liberdade de crença, direito fundamental com assento em nossa Constituição da República. Guerras históricas, para citar como exemplo, foram travadas em nome dessa intolerância.
                O que causa espanto é que os próprios religiosos são, na maioria das vezes, muito intolerantes com quem não tem religião e –muito mais ainda- com aqueles que não acreditam em Deus ou que se apresentam como críticos. Supõem impossível não se acreditar e tentam, às vezes obstinadamente, convencer os ateus a uma conversão ou aqueles que não optaram por nenhuma, mas que crêem, a escolher um “caminho” até Deus, com seus diversos intermediários. Como se isso fosse necessário. Rebatem até com certa agressividade ou com desdém as críticas “blasfemas”.
                O importante nisso tudo é notar que a liberdade de crença garantida pelo texto constitucional admite também a não-crença e que a liberdade de pensamento e expressão é direito fundamental da mesma estatura daquela. Não sei a hierarquia delas na órbita metafísica, mas qualquer elucubração afastaria a racionalidade da discussão em tela.
                Tudo aquilo que está exposto ou oferecido está inexoravelmente sujeito a críticas. Muitas destas servem até para que as coisas melhorem. Não se pode é admitir que algo esteja acima de qualquer crítica. Beira-se o fundamentalismo, evitado nas religiões ocidentais e viola direitos fundamentais. Vê-se diuturnamente religiões lideradas por charlatães ou que ludibriam seus fiéis, religiões que negam direitos já consagrados ou que exigem sacrifícios até mesmo ilegais, que prometem curas de coisas que nem são doenças ou que encobrem escândalos escabrosos de seus membros. Ou ainda achar absurdo se questionar a crença em algo que não se pode provar, pelo menos cientificamente. Não cabe se cobrar tolerância, praticando a intolerância. Não se pode considerar-se acima de críticas, cometendo também muitos erros.