quarta-feira, 23 de março de 2016

TEORI PÕE ORDEM NA CASA

                Ainda há juízes no Supremo Tribunal Federal brasileiro. A frase que inicia este texto remete ao famoso conto ‘O Moleiro de Sans Souci’ de François Andrieux. Nele, um moleiro resiste às investidas do Rei Frederico II interessado em comprar suas terras a fim de ampliar um castelo. O monarca chega ao ponto de, pessoalmente, ameaçar de tomar à força a propriedade, ao que responde o moleiro: Tomar-me? Como se não houvesse juízes em Berlim.
                O pobre homem, evidentemente, se referia a um Judiciário que não se curvaria a uma arbitrariedade, ao arrepio de um direito, mesmo que perpetrados pela autoridade soberana do reino. Pelos últimos episódios judiciais do Brasil, seguramente o moleiro não poderia clamar pelo nosso Poder Judiciário. Tentam, por exemplo, fazer você acreditar que o único juiz probo do país é o Sérgio Moro.
                O arrepio de direitos fundamentais vem sendo tratado como mero detalhe nas “investigações” envolvendo o ex-presidente Lula. Aliás, não é possível que você ainda acredite que o objetivo da operação Lava Jato não seja caçá-lo. Custe o que custar. Que se custe a Constituição, inclusive. E já adianto que não estou defendendo o Lula. Estou defendendo você, incauto! A Constituição não foi feita só pro Lula, pra Dilma ou pra qualquer político. Ela rege (e protege) toda a sociedade brasileira.
                Temos um tribunal com a finalidade específica de guardar a Constituição. Isso significa que violações à Carta Magna serão julgadas por essa Suprema Corte. Há um elenco de direitos fundamentais nesse diploma, conquistas que garantem à sociedade brasileira que sejam resguardados, ao menos, seus direitos basilares, calcados, sobretudo no paradigma da dignidade humana. Mesmo que uma “maioria” queira afrontá-los.
                Vimos, após o embaraço causado pela nomeação de Lula para o Ministério da Casa Civil, uma inegável vingança do juiz Moro, uma vez que, nessa condição, a competência para análise judicial de questões envolvendo o ex-presidente seria transferida para o STF. Ele acabara de perder a sua presa, seu troféu e sua meta. Passou de todos os limites ao divulgar de forma irregular áudio envolvendo diálogo da presidente e captado de maneira ilícita. As reações foram imediatas, sobretudo dos defensores da Constituição. Notem que não dá pra defender a atitude de Moro e a lei ao mesmo tempo.
                A insidiosa liberação do áudio convulsionou o país. Chegamos ao ponto de vermos juízes e promotores fazendo verdadeiros comícios, o que, no mínimo deve soar estranho. Vivemos tempos difíceis, é verdade. Mas não podemos deixar que se percam a noção da lei nesse momento. E muito menos que isso ocorra no Ministério Público ou no Judiciário, órgãos que têm por atribuição justamente velar por ela.
                Um dos áudios mais difundidos foi o de Lula dizendo, em conversa informal, que o Supremo estava acovardado diante da Lava jato e, mais ainda, da pressão da mídia. Um parêntese para remeter a uma notícia de 2007 da Folha de São Paulo acerca de uma conversa telefônica do Ministro Ricardo Lewandovski na qual dizia que o STF votara acuado pela pressão da mídia algo referente ao mensalão. O que se viu foi, de fato, um Supremo acovardado no início do desenrolar dos últimos fatos.
                Por uma ironia do destino o sorteio de um Mandado de Segurança alcançou Gilmar Mendes como responsável por decidir acerca da nomeação de Lula. Logo Gilmar, que adora uma câmera para derramar seu ódio ao PT. Num mundo ideal, se daria por suspeito. No Brasil, logo após um almoço com José Serra, proferiu liminar suspendendo a posse de Lula e, mesmo não tendo sido pedido, remeteu os autos do processo de volta a Moro. Lamentável. Aliás, Gilmar se viu obrigado a mudar sua histórica posição acerca do assunto.
                Quem acabou depois se dando por suspeito para analisar um habeas corpus a favor de Lula foi o Ministro Luiz Édson Fachin. Sua justificativa foi o fato de ser amigo íntimo de um dos subscritores. E por que Mendes não era suspeito? O destino lançou o processo à Ministra Rosa Weber, aquela que convidou Moro para ajudar na confecção de seu voto no mensalão. Suspeita? Claro que não. Negou o habeas corpus, é óbvio. Mais um ponto pra Moro e menos vários para a Lei.
                Até que surge o sério e discreto Ministro Teori Zavascki. Teori é o responsável pelas questões da Lava Jato envolvendo pessoas com foro privilegiado no STF. E chamou a coisa à ordem. O que se refere a Lula será julgado por ele. Teori conhece como poucos a Constituição e mostrou que não se deixa levar pela mídia golpista nem se informa pelo facebook.
                Para tristeza dos golpistas, colocou Moro no seu devido lugar. E ainda pediu explicações. Teori foi firme e veemente, como um juiz da Suprema Corte deve ser diante de flagrante violação constitucional. Expôs a ilegalidade cometida pelo juiz paranaense e deixou claro que um julgamento desse porte não pode se pautar por questões políticas.
                Teori volta a arrefecer o golpe. E não se engane quando falam que há respaldo jurídico para o impeachment, por que não há. Inventar um crime de responsabilidade para a presidente é um dos mais nefastos golpes já que se traveste de jurídico. Nossa democracia é muito jovem para um ataque desses. Ainda bem que Teori Zavascki provou que ainda há juízes no Supremo.

terça-feira, 15 de março de 2016

AINDA HÁ JUÍZES EM SÃO PAULO?



                 O advogado e dramaturgo francês François Andrieux (1759-1833) escreveu um conto em forma de versos que se tornou célebre e que deve sempre ser relembrado e resgatado em momentos em que o arbítrio pretende se manifestar e, sobretudo, se impor, e também naqueles em que o respeito às leis é abandonado ou sua ameaça é iminente. Trata-se de ‘O Moleiro de Sans Souci’.
                Cuida a história de uma negociação travada entre o déspota Frederico II, Rei da Prússia e um moleiro, que vem a ser um trabalhador de moinhos (no caso do conto, produzia farinha), dono de um daqueles em um pedaço de terra onde o monarca pretendia ampliar um castelo. Curiosamente, o nome do moinho era Sans Souci, algo como ‘sem preocupação’ ou numa linguagem ainda mais atual e coloquial, ‘sem stress’.
                Diante de seu propósito de ampliar a propriedade, Frederico II manda insistentes emissários para tentar intermediar a compra do referido moinho. No entanto, todos eles são repelidos pelo moleiro que não tem interesse na venda, por dinheiro algum. O lugar tem mais um valor sentimental do que material pra ele, já que foi criado ali e criou ali seus filhos.
                Inconformado com a recusa do moleiro e o consequente obstáculo na expansão do castelo, o próprio rei se dirige até Sans Souci, numa clara e expressa tentativa de intimidar, pela sua condição, o pobre moleiro. Irredutível, este ouve do monarca que ele ainda estaria sendo generoso oferecendo-se para comprar o bem, já que, como rei, poderia tomá-lo sem qualquer indenização. E é aí que vem a frase lapidar proferida pelo pobre homem: “o senhor, tomar-me o moinho? Só se não houvesse juízes em Berlim.”
                Cumprir a lei deveria ser algo evidente, não só em Berlim. Mas estamos vivendo já há algum tempo uma quadra da história em que o arbítrio e o arrepio da lei e, pasmem, da Constituição Federal (até pelo STF) vêm se materializando no Judiciário e no Ministério Público. Não bastasse a malfadada, ignominiosa e repudiada pelos melhores juristas, condução coercitiva do ex-presidente Lula, agora temos um esdrúxulo pedido de prisão formulado pelo MP de São Paulo, flagrantemente vazio e seguramente revanchista ou, pior, sensacionalista.
                O próprio promotor responsável, mesmo que mantido na titularidade do caso pelo CNMP a despeito do contrário e pacífico entendimento deste mesmo órgão sobre o tema, chega a assumir que não há provas documentais, apenas testemunhos (ou ilações). E isso é suficiente para que se peça a prisão preventiva de alguém? Direito Penal não é a minha área, mas tenho a impressão de que não baste. Aliás, não precisa ser nem estudante de Direito para se perceber que tem algo no mínimo estranho nessa história toda.
                Felizmente, ao contrário do que erroneamente às vezes é publicado na mídia, o Ministério Público não ordena prisões. Ele apenas pede, requer. Seja se baseando em provas extremamente robustas, assim como em casos de provas fragilíssimas ou com base em arbitrariedades, perseguições, abusos etc, como este.
                A prisão preventiva (ou qualquer outra) em casos assim é ordenada por um juiz, que analisa a pertinência do alegado e confere o preenchimento dos requisitos legais para sua concessão. Ademais, compactuar o Judiciário com paixões, perseguições ou preferências políticas é inadmissível. E aí nos cabe a cidadã pergunta do moleiro: ainda há juízes em São Paulo?

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

LEMBRAR PARA NÃO ESQUECER – Sobre a proibição da venda da autobiografia de Adolf Hitler



               Que muitos juízes brasileiros já perderam a noção de seus limites como julgadores já é assunto até batido. Mas nem mesmo com o desgaste no meio jurídico, a prática vem diminuindo. Bem ao contrário, aliás. Vivemos a era mais recrudescida de relativismos e decisionismos, mesmo com o pós-positivismo e a hermenêutica filosófica pulando na frente dos juristas. Cada vez mais se julga conforme os gostos do julgador. E fica tudo por isso mesmo.
                Vale lembrar Lênio Streck quando afirma que “a “vontade” e o “conhecimento” do intérprete não constituem salvo-conduto para a atribuição arbitrária de sentidos e tampouco para uma atribuição de sentidos arbitrária (que é consequência inexorável da discricionariedade).” (in Verdade e Consenso. 5. ed. Saraiva: 2014, p. 43).
                A malfadada decisão da vez é a de um juiz do Rio de Janeiro que proibiu a venda da autobiografia escrita por Adolf Hitler – Mein Kanpf (Minha Luta). Nela estariam estampadas as inspirações do nazismo bem como poderia, segundo alguns (e o próprio juiz em tela) funcionar como estimulante da prática de crimes contra os direitos humanos.
                O magistrado afirma em sua “fundamentação” o batido discurso de que a dignidade humana é fundamento da república e que os direitos humanos devem prevalecer sobre o terrorismo, consignando “que é fato notório que o líder nazista incitava a prática do ódio” e ainda tenta mascarar se colocando como pós-positivista e garantindo que a obra teria o condão de fomentar as práticas nazistas.
                A leitura desavisada ou incauta da decisão pode levar o leitor mediano a imaginar que a venda do livro (no Brasil) ensejaria uma nova guerra mundial. Cabe, de antemão perguntar: será que o digno magistrado leu o livro? Ou apenas se deixou levar por alguma versão da obra? Sua previdência e devida atuação diligente e expedita como membro do judiciário em evitar a disseminação do ódio no país chega a emocionar... Será que em sua próxima decisão o meritíssimo irá proibir a venda de armas no país?
                Ele simula afastar uma insustentável ponderação ou um conflito de direitos fundamentais, mas atinge o mesmo resultado ao “escolher” a dignidade como fundamento necessário em detrimento de qualquer outro. Ponderou, enfim.
                Lembrar para não esquecer é uma frase de extrema importância histórica, sobretudo quanto a fatos gravíssimos como foi o nazismo. Temos sempre de lembrá-lo justamente para que ele não se repita. Se pudermos compreendê-lo, melhor ainda. E a leitura da obra de Hitler pode ser fundamental nesses pontos. O imbecil que propaga o ódio não lê nem gibi, quanto mais uma densa e robusta publicação como Mein Kampf. Ademais, é de facilidade infantil se baixar o livro pela internet. Ou será que nosso douto cavaleiro judicial irá proibi-la também?
                Ainda lembrando, convém esclarecer que foi justamente em decorrência das atrocidades cometidas pelo nazismo que a dignidade humana passou a figurar como fundamento de diversas Constituições. O (re)conhecimento do absurdo do que ocorreu germinou a potencialidade da dignidade humana. Ali se passou de todos os limites. Ali a humanidade viu a possibilidade de se ver desumanizada. E quanto a isso, por evidente, não cabe retrocesso.
                Fica claro da decisão em comento que o julgador se valeu de suas impressões pessoais sobre os fatos, atuando de forma solipsista, vislumbrando, conforme seus interesses, uma “solução” para o perigo de se publicar um livro de grandeza histórica, mas de conteúdo indesejável.
                Maria Celina Bodin de Moraes ressalta que “a aceitação racional das decisões judiciais deve ser guiada pela qualidade dos argumentos levantados e que a chamada ‘constitucionalização’ não pode funcionar como um pretexto a conferir ao magistrado carta branca para decidir conforme suas convicções pessoais” (in Na Medida da Pessoa Humana. Renovar, 2010, p. 16). Ronald Dworkin é categórico ao afirmar que “cada um pode ter a sua própria opinião, e a opinião do juiz não oferece mais garantias de verdade do que a de qualquer outra pessoa”. (in Levando os Direitos a Sério. Martins Fontes, 2007, p. 431)
                Não estou aqui, evidentemente, defendendo Hitler nem qualquer prática de ódio. Mas me parece bastante claro que a proibição da publicação, sobretudo sem uma fundamentação mais adequada, é inócua e, mais ainda, indevida. Ademais, já enfrentamos hoje no Brasil uma inédita onda de ódio, fomentada por diversos setores. E, lamentavelmente, ela deve permanecer ainda por tempo indeterminado, publicando-se ou não publicando-se o livro de Hitler.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

MASSACRE E TRAGÉDIA



                  Praqueles imbecis que pedem intervenção militar, volta da ditadura ou que pensam que vivemos em uma ditadura “bolivariana” (embora nem saibam o que significa) vai a sugestão: se mudem pro Paraná. O que se viu no último dia 29 de abril mostra como funciona a repressão a protestos nobres e lícitos em regimes dessa natureza. E olha que eram professores... É dessa reação “justa” e “legal” que esse povo que defende regime militar gosta?
                Professores protestando pacificamente por direitos que estavam prestes a lhes ser tomados. Assim como tem acontecido em São Paulo e outras partes do país. E a mídia tucana chamando de confronto. Confronto??? Isso requer um mínimo de paridade de armas. Eram cartazes e gritos contra balas de borracha, sprays, cacetetes, bombas de efeito moral e pitbulls. Os relatos e as imagens, sobretudo, são estarrecedores. Destoando, surpreendentemente, até Ricardo Noblat chamou o governador do Paraná de estúpido.
                O governador Beto Richa (ou Beto Hitler, como tem sido corretamente chamado nas redes sociais e na internet) se “justificou” acusando Black blocks e dizendo que a reação da polícia foi direcionada a eles. Ora, faça-me o favor! Será que Richa, governador de um estado tão importante, não sabe distinguir nem isso? Ou é tão difícil assim separar um Black block de um professor? E ele afirmou que eram “alguns”. Os professores feridos foram quase duzentos. O nome disso é massacre.
                Os manifestantes tentavam chegar até a Assembleia Legislativa do estado, um prédio público, do povo, mas que estava cercado por policiais. Quatro mil agentes públicos, que em vez de patrulharem e protegerem o cidadão, estavam deslocados para guerrear contra professores. Estes protestavam contra um confisco da previdência do estado proposto pelo governador e ainda por uma série de perdas de direitos trabalhistas e previdenciários. Diante do resultado, mesmo justos, os motivos acabam por irrelevantes na análise. Qualquer que fossem afinal, não se justifica a abominável barbárie.
                Há vídeos circulando com membros do governo paranaense comemorando a “ação” policial. Isso sim é crime. Aqueles que poderiam impedir o massacre, além de se omitir, festejam a tragédia. É uma inversão total de valores. Forjou-se uma foto de um policial “ferido” para dar ares de ação legítima contra inimigos poderosos e perigosos. O sangue que escorria era tinta, como a própria policia assumiu. A arma dos professores é mesmo tinta, mas aquela que escorre de suas canetas. É por elas que na maioria das vezes se manifestam. A pantomima é ridícula. Mas é trágica e expõe entranhas nada agradáveis.
                Há um alento nisso tudo e que deveria servir de exemplo. Há dezessete policias presos. Exatamente por se recusarem a participar do massacre. Alguém ainda é digno, felizmente. Porém, os valores continuam invertidos: quem deveria estar preso no lugar é quem ordenou ou foi conivente com isso tudo. Ou a democracia que tanto foi pedida pelos eleitores tucanos nas ruas não deve ser respeitada nessas horas? É assim que se calam protestos quando são contra eles? Alguém foi alvejado, mordido ou sufocado nas manifestações contra o governo federal?
                 Ainda nem mencionei que o governador é do PSDB. Mas é imperioso se lembrar disso. E o partido dele, não vai se posicionar? E Aécio Neves que nem dorme em sua cavalgada louca contra Dilma, acha tudo normal? Deve achar, certamente. Em Minas ele também era ditador. É o jeito tucano de fazer política.
                Um partido que tanto fala em impeachment, em liberdade, que ilude os incautos ao anunciarem que vivemos sob uma ditadura, deveria agora se movimentar e dar o exemplo. Se tivesse o mínimo de dignidade, Beto Richa renunciaria, largaria a política herdada do pai e iria brincar de outra coisa. Como deveriam fazer muitos outros filhotes e netinhos mimados tucanos.

INDUSTRIA DO DANO MORAL



              O Dano moral é o resultado de uma violação à dignidade de alguém. Seus efeitos, normalmente, se dão pelo constrangimento, a dor, o vexame, a angústia etc. Isso não quer dizer, todavia, que só nesses casos há dano moral. Se assim fosse, excluiríamos algumas classes de pessoas da possibilidade de sofrê-lo, como os deficientes mentais, os nascituros ou os recém-nascidos, que, evidentemente, também podem ser vítimas. Para que se configure um dano moral, portanto, basta que uma pessoa (física ou jurídica) viole a dignidade de outra.
                A reparação do dano moral se dá a partir de uma condenação judicial em que o ofensor se vê obrigado a pagar ao ofendido uma indenização em dinheiro, como o objetivo de suavizar aquele sofrimento pelo qual foi responsável. Não há, seguramente, maneira de se “apagar” o dano moral. O legislador apenas encontrou na indenização pecuniária um lenitivo a essa situação. Afinal, não há quem não goste de dinheiro e sua vinda sempre acaba fazendo algum bem.
                A condenação tem um duplo viés: de um lado fazer com que se suavize, como dito, a violação suportada e, de outro, pedagogicamente, fazer com que o ofensor evite repetir o fato e causar novos danos. É imperioso ressaltar que não é para empobrecer o autor do dano nem muito menos para enriquecer a vítima. Há critérios a ser observados, como a extensão do dano, a capacidade econômica do ofensor, reincidência na prática, entre outros.
                Um fenômeno nefasto, entretanto, decorre da exploração dessa incidência do dano moral. É a chamada ‘indústria do dano moral’, “copiada” dos Estados Unidos. Seus responsáveis são vários, tais como pessoas que não chegaram a sofrer algo capaz de significar uma violação da dignidade, mas que buscam o judiciário na tentativa de ganhar algum; advogados inescrupulosos que incitam seus clientes a demandas dessa natureza mesmo sem fundamento real e, ainda e sobretudo, o próprio Judiciário.
                Os primeiros atuam de maneira vil, escancaradamente. Nossa economia de país subdesenvolvido faz com que não seja tão “fácil” a obtenção do dinheiro e que ele eventualmente falte. E nossa cultura consumista e exibicionista cria uma espécie de busca desenfreada pela grana. Do jeito que for, na forma que vier. Basta ver os índices de corrupção e sonegação de nossa sociedade. Se há a chance de “arrancar” algum vamos em frente! E isso é lamentável.
                Mas o fomento maior dessa indústria ( e que poucos se atrevem a falar), se analisarmos por outro lado, vem do próprio judiciário. Se não bastasse a demora na obtenção do resultado, vemos condenações ao pagamento de indenizações cada vez menores. Casos em que há morte ou danos realmente graves acabam sendo “resolvidos” em menos de cem mil reais. Um plano de saúde que negou uma cirurgia, por exemplo, sabe que, ao final de longos anos, será condenado ao pagamento de uns dez, quinze mil reais ao autor da ação. Muito menos do que arcaria com a operação.
                Acaba, assim, por nunca ser atingido o critério pedagógico. Grandes empresas, como as de telefonia (que sempre figuram entre as maiores demandadas do país), em vez de melhorarem seus serviços, embutem em seus custos o chamado passivo judicial. Já sabem que vão perder algumas ações e sabem também que menos 30% dos lesados batem às portas da Justiça. E o usuário que se dane.
                Acaso o judiciário se posicionasse de forma a efetivamente querer diminuir a incidência dos danos, bastaria aumentar em muito o valor das condenações. É famosa a tese de que quando dói no bolso as coisas mudam. Aí sim os ofensores pensariam duas vezes ou mais se seria melhor manter produtos, serviços, agentes etc de má qualidade, potencialmente violadores da dignidade alheia.
                Mas nesse caso não estaríamos “enriquecendo” as vítimas e a “indústria” se ampliaria? Ledo engano. Nem todo o valor da condenação iria para o lesado, por óbvio, justamente para se evitar esse efeito indesejável.  Deveria se proceder à criação de fundos de interesse público nas áreas em que atuam os violadores condenados. Traria, inclusive, um benefício social.
                É sempre interessante notar que há soluções para a melhoria em quase todas as áreas. Falta ou que se reconheçam os erros e que se queira melhorar de fato; ou que se pare de sempre atribuir a culpa aos outros e achar que são os irrepreensíveis; ou, ainda, vontade política. Ou tudo isso junto.