domingo, 27 de maio de 2012

A CAPOTADINHA NOSSA DE CADA DIA

               Não sei por que até hoje insistem em entrevistar jogadores e técnicos de futebol. Eles não sabem, não gostam e não querem falar. Os repórteres fazem as mesmas perguntas, os jogadores dão as mesmas respostas. Sempre. Os técnicos, por sua vez, são sempre antipáticos, arrogantes, sobretudo depois de uma derrota. São obrigados a enfrentar um exército de jornalistas sem inspiração, em busca de alguma declaração “relevante” para rechear os noticiários esportivos e fazer parecer à audiência (torcida) que eles todos estão preocupados com ela.
                Eles são obrigados, por contrato entre os times e as emissoras, a estar ali, “dispostos” a responder às perguntas. É muito raro sair alguma coisa aproveitável. Agora, “pérolas” da sabedoria são constantes. Nesse ponto, os jogadores e técnicos são imbatíveis. Já foi motivo de orgulho jogar em Belém do Pará, por ser, segundo o jogador, a terra em que Jesus nasceu. Afirmaram que “clássico é clássico e vice versa”. Ou ainda, para exaltar a hospitalidade baiana, que “o povo baiano é muito hospitalar.”
                Muitas vezes, entrevistas como essas entram pro folclore do esporte nacional. E outras tantas, causam perplexidade e indignação. Isso aconteceu na última semana. O atacante do Flamengo Vagner Love, talvez influenciado pela vocação do time em produzir episódios infelizes, perguntou aos presentes, após ser questionado sobre o caso de outro jogador do time que sofrera um grave acidente: “Quem nunca deu uma ‘capotadinha’ de carro?”
                Ora Vagner, me desculpe, mas provavelmente a maioria das pessoas. Principalmente aquelas que sabem e conseguem manter o controle, dirigindo de maneira responsável ou que nenhum louco tenha atravessado seu caminho. Acidentes acontecem, mas são exceção e não regra. Eu, particularmente, nunca dei minha ‘capotadinha’ e nem pretendo. Felizmente, conheço poucas pessoas que já passaram por isso. Porém, depois da indagação de Vagner Love já não sei se sou normal ou não.
                Fez lembrar uma entrevista – lamentável – do ex- goleiro, também do Flamengo, e hoje presidiário Bruno, que em uma situação semelhante, respondendo as acusações de que havia agido com violência contra uma mulher, também questionou: “quem nunca ‘saiu na mão’ com sua mulher?”. Ora, se for assim, me senti mais uma vez excluído. É óbvio que eu nunca ‘saí na mão’ com a minha mulher, o que, além de absurdo, é crime. Ainda bem que eu não sou jogador de futebol. Melhor pra mim. E pro futebol.
                Para tentar amenizar as atitudes repugnantes ou indesejáveis em que se colocam, tentam nos convencer que se tratam de passagens comuns na vida de todo mundo, meros incidentes, corriqueiros. Ora, quem nunca fez ou passou por uma aberração dessas? Somos todos iguais, comuns, normais. De jeito nenhum, meus caros jogadores.
                Não sei que função cumprem as entrevistas com jogadores e técnicos, além de se transformar em episódios de repúdio ou de humor. Acabam todos perdendo tempo. Os repórteres, que tentam, em vão, obter algo útil, os programas esportivos que acreditam ainda que isso seja possível, e nós, espectadores e torcedores, que, por vivermos uma vida “normal”, não nos enquadramos nas ‘pérolas’ dos entrevistados.

3 comentários:

  1. "Principalmente aquelas que sabem e conseguem manter o controle, dirigindo de maneira responsável (...)"

    Só não me senti ofendido porque, na sequência, veio um

    "(...) ou que nenhum louco tenha atravessado seu caminho."

    Muito bom o texto! Mais uma vez...

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  2. Se tem uma coisa que eu detesto, é futebol, mas adoro as pérolas, porque me faz bem saber que existe um amontoado de imbecilidade na cabeça dessa gente que se preocupa tando em malhar o corpo e que esquece de malhar a mente. O que me deixa aliviada é saber que eles são treinados apenas para ter habilidade com bolas e não com palavras. Muito bom o texto! Mais uma vez...²

    (Susan)

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  3. Vivemos uma época que as entrevistas são o "mais do mesmo". Ainda bem que existem o Vagner Love, goleiro Bruno etc. para sair da mesmice.

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