sexta-feira, 19 de setembro de 2014

RESQUÍCIOS VERGONHOSOS

             O grande amigo Mário Werneck, ilustre advogado e professor das Alterosas, costumava dizer, na época em que fazíamos o mestrado em Direito, que um país que passa por uma ditadura, demora, pelo menos, o dobro do tempo que ela durou para se restabelecer plenamente em termos democráticos. A vergonhosa ditadura do Brasil iniciou-se em 1964 e terminou oficialmente em 1985.
                Pelas contas do Mário, portanto, ainda precisaremos de mais treze anos para restaurarmos plenamente nossa democracia e os efetivos pilares do estado democrático de direito estampado em nossa Constituição da República. Parece, no entanto, que alguns resquícios da ditadura ainda impregnam nossa sociedade de forma bastante eloquente, o que pode adiar indeterminadamente o processo de plena redemocratização. Destaco entre eles, a prática e a tolerância com a tortura, alguns políticos “filhotes” da ditadura ainda em cargos públicos e a cultura da delação e da ameaça, objetos estas últimas da presente coluna. O roteiro a seguir merece reflexão.
                Corta para uma sala de aula de uma escola em Cacoal: a professora escreve no quadro, de costas para a turma, enquanto um dos alunos (ou alunas) lança sobre o quadro o facho de uma caneta laser. A professora se vira e pergunta a todos: “quem está fazendo isso?” Não há resposta, por óbvio (pausa para palmas da plateia). Não satisfeita, a “educadora” lança mão do absurdo: “se não disserem quem é, todos receberão advertência por escrito endereçada aos responsáveis.” Nada (mais palmas). Parênteses: o signatário gostaria de mandar uma notificação aos pais desses alunos parabenizando-os. Volta na “professora”, que, não satisfeita com seu arroubo ditatorial, dispara: “então todos vão perder dois pontos em duas matérias!” Chantagem ainda por cima. Os bravos alunos se mantiveram firmes (mais palmas). Estamos diante de um grave escândalo pedagógico.
                Não parou por aí a sanha de agente do DOPS da “educadora”. Volta nela: Quem não assinasse uma tal lista deveria se dirigir à sala da orientadora, que, aparentemente, corrobora com os métodos da “professora”. Ora, que espécie de pedagogia é essa para crianças de onze anos? Que cidadãos pretendemos formar? Que métodos são esses? Estão educando às avessas? Quais são os valores perseguidos? Sou professor há onze anos, posso falar com propriedade. Ademais, julga-se muita vez, com base em premissa absolutamente equivocada, que violência é só ofensa física. Grave engano. A ofensa psicológica e a violência intelectual podem causar danos tão profundos quanto. Precisamos voltar com o slogam “abaixo a ditadura”? E em uma escola de ensino médio?
                Note-se que, além de ameaçar gravemente quem não denunciasse um colega que, convenhamos, não fez nada grave, ainda procurou impor como certa a conduta delatória, à maneira como fazia o exército com aqueles contrários ao regime da época, prática que tanto se condena. Será que ainda não conseguimos nos livrar dos dedos-duros? Ou estamos criando novos, “facilitando” a busca sobre os fatos? Ou talvez ainda existam nas escolas muitos extemporâneos simpatizantes do golpe militar.
                Felizmente, a indigitada “professora”, não obteve êxito em seu surto ditatorial e antipedagógico. Os alunos, em postura admirável, permaneceram inertes diante de suas ameaças e ainda, em uníssono, reclamaram da possibilidade de serem advertidos por se recusar a ter uma conduta das mais repugnantes. Certíssimos. Quem merece uma advertência cabal é a professora, sem dúvida. Aos alunos, os nossos mais sinceros elogios. Sempre ouvi em casa (e aprendi), desde pequeno, que um dos maiores crápulas sociais é o dedo-duro. Não “dedurar” é imperativo ético.
                Corta agora para a campanha presidencial: o assunto palpitante do momento é uma delação premiada (sic) de um criminoso preso (haja credibilidade!) que lançou à luz uma série de nomes ao seu próprio alvedrio, sem apresentar até o momento provas concretas da participação daqueles em episódios de corrupção na Petrobras.
                A imprensa golpista e denuncista adorou, amplificando suas palavras e incentivando sua propagação e infiltração entre os brasileiros para prejudicar a presidenta Dilma e Marina Silva. Não conhecem a presunção de inocência nem o devido processo legal. Ou, se conhecem, só usam quando interessa. Essa imprensa sempre foi simpática à ditadura. Nada mais óbvio, portanto. O que seria louvável é que esses jornalistas tivessem uma aula com os alunos de onze anos de uma escola de Cacoal, que repeliram o resquício do “dedodurismo” e da ditadura e preferiram o estado democrático de direito.

P.S. As coisas podem mesmo piorar. Os professores dessa escola foram autorizados (por algum ignorante) a tomar e rasgar trabalhos de alunos que estejam sendo realizados na aula de outra disciplina. Caso algum “professor” siga está criminosa ordem, o signatário sugere seja dada voz de prisão imediata por roubo. Esses são os nossos educadores...

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