sexta-feira, 5 de setembro de 2014

“DEFENDEREI OS VALORES DA FAMÍLIA”. MAS DE QUE FAMÍLIA?

            Chama a atenção o número de candidatos, aos mais diversos cargos eletivos, que pregam como lema de campanha a “defesa da família” ou, ainda mais específicos, “a defesa dos valores da família”. Diante disso, vale a pergunta: Que espécie de família estão anunciando seus ferrenhos defensores? O tema desafia uma análise, sobretudo de ordem constitucional, mesmo que de forma breve, do que se entende juridicamente sobre a família (ou famílias) nos tempos atuais.
                Não precisa muita perspicácia para reparar que a família à qual esses candidatos se referem é a família da visão conservadora (ou reacionária), com bases amplamente religiosas e fundadas em ideias arcaicas. Pugnam por valores unilateralmente escolhidos para caracterizar aquilo que entendem por família e assim angariar eleitores, bem como muitos desses candidatos (pastores, notadamente) já fizeram em suas igrejas. Distanciam-se dos mandamentos constitucionais e almejam a implantação de uma nociva teocracia.
                Descolam sua visão, outrossim, de que a família moderna (ou pós-moderna) não tem cariz exclusivamente religioso ou base novecentista e sim, e sobretudo, matriz e proteção constitucionais. Seus alicerces não estão fundados em ordens conservadoras e reacionárias. Muito ao contrário, aliás. Os fundamentos constitucionais da família, são o afeto, a ética, a solidariedade e a dignidade, valores de raiz constitucional e humanista, indiscutivelmente. O reconhecimento jurídico do que é família, merecedora de especial proteção do Estado, como dispõe nossa Carta Magna, se dá com base nessas premissas.
                Note-se que a falta da leitura constitucional do que significa juridicamente a família e de quais entidades podem ser assim reconhecidas, torna míope a visão desses candidatos que insistem em considerar como família e, via de conseqüência, como única permeada por valores que devam ser protegidos, apenas aquela família conservadora, calcada no matrimonialismo, no patriarcalismo, na hierarquização, na heteroafetividade, e ao considerar a família (deles) uma instituição fim em si mesma.
                Cumpre informar que a família atual possui novos paradigmas, alguns até incompatíveis com as características da família “defendida” na campanha eleitoral. Hodiernamente a família é pluralizada, sendo reconhecidas novas entidades familiares, tanto de modo expresso na própria Constituição da República (união estável e monoparental) como judicialmente (homoafetiva, anaparental, mosaico entre outras).
                Além disso, perderam a rigidez hierárquica e a desigualdade interna, bem como ganhou espaço inexorável em seu seio a socioafetividade. A família deixa de ser um fim em si mesmo e passa a ser um instrumento para o desenvolvimento de seus membros, independentemente de sua conformação ou do sexo de seus componentes devendo, inclusive, atender à sua função social e sofrendo com mecanismos de intervenção pública em caso de descumprimento.
                Essas novas famílias (ou mesmo as antigas com nova formação) entram também na pauta da campanha desses candidatos que defendem os “valores”? Aparentemente não, o que expõe, às escâncaras, o viés preconceituoso e o conservadorismo que o direito não se presta a manter, felizmente. Convém ainda lembrar a esses incautos apóstolos da moralidade e dos supostos (“reais”) valores da família, caso eleitos, o princípio da proibição do retrocesso, informador do direito constitucional da família, que não admite que conquistas já reconhecidas e sedimentadas sejam apagadas.

                Portanto, defender a família e seus valores dentro dessa nova perspectiva, vai muito além do que supõem esses arautos de uma duvidosa ética familiar e de um modelo ”padrão” de família. E o direito já vem fazendo essa defesa de há muito. Os “verdadeiros valores” da família não estão se desfazendo como pregam. O difícil, para muitos, é perceber (e aceitar) que as coisas mudam. Seria imperioso que postulantes a cargos públicos conhecessem um mínimo do Direito antes de anunciar suas “propostas”.

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