Chama a atenção o número de
candidatos, aos mais diversos cargos eletivos, que pregam como lema de campanha
a “defesa da família” ou, ainda mais específicos, “a defesa dos valores da
família”. Diante disso, vale a pergunta: Que espécie de família estão
anunciando seus ferrenhos defensores? O tema desafia uma análise, sobretudo de
ordem constitucional, mesmo que de forma breve, do que se entende juridicamente
sobre a família (ou famílias) nos tempos atuais.
Não
precisa muita perspicácia para reparar que a família à qual esses candidatos se
referem é a família da visão conservadora (ou reacionária), com bases
amplamente religiosas e fundadas em ideias arcaicas. Pugnam por valores
unilateralmente escolhidos para caracterizar aquilo que entendem por família e
assim angariar eleitores, bem como muitos desses candidatos (pastores,
notadamente) já fizeram em suas igrejas. Distanciam-se dos mandamentos
constitucionais e almejam a implantação de uma nociva teocracia.
Descolam
sua visão, outrossim, de que a família moderna (ou pós-moderna) não tem cariz
exclusivamente religioso ou base novecentista e sim, e sobretudo, matriz e
proteção constitucionais. Seus alicerces não estão fundados em ordens
conservadoras e reacionárias. Muito ao contrário, aliás. Os fundamentos
constitucionais da família, são o afeto, a ética, a solidariedade e a
dignidade, valores de raiz constitucional e humanista, indiscutivelmente. O
reconhecimento jurídico do que é família, merecedora de especial proteção do
Estado, como dispõe nossa Carta Magna, se dá com base nessas premissas.
Note-se
que a falta da leitura constitucional do que significa juridicamente a família
e de quais entidades podem ser assim reconhecidas, torna míope a visão desses
candidatos que insistem em considerar como família e, via de conseqüência, como
única permeada por valores que devam ser protegidos, apenas aquela família
conservadora, calcada no matrimonialismo, no patriarcalismo, na hierarquização,
na heteroafetividade, e ao considerar a família (deles) uma instituição fim em
si mesma.
Cumpre
informar que a família atual possui novos paradigmas, alguns até incompatíveis
com as características da família “defendida” na campanha eleitoral.
Hodiernamente a família é pluralizada, sendo reconhecidas novas entidades
familiares, tanto de modo expresso na própria Constituição da República (união
estável e monoparental) como judicialmente (homoafetiva, anaparental, mosaico
entre outras).
Além
disso, perderam a rigidez hierárquica e a desigualdade interna, bem como ganhou
espaço inexorável em seu seio a socioafetividade. A família deixa de ser um fim
em si mesmo e passa a ser um instrumento para o desenvolvimento de seus
membros, independentemente de sua conformação ou do sexo de seus componentes
devendo, inclusive, atender à sua função social e sofrendo com mecanismos de
intervenção pública em caso de descumprimento.
Essas
novas famílias (ou mesmo as antigas com nova formação) entram também na pauta
da campanha desses candidatos que defendem os “valores”? Aparentemente não, o
que expõe, às escâncaras, o viés preconceituoso e o conservadorismo que o
direito não se presta a manter, felizmente. Convém ainda lembrar a esses
incautos apóstolos da moralidade e dos supostos (“reais”) valores da família,
caso eleitos, o princípio da proibição do retrocesso, informador do direito
constitucional da família, que não admite que conquistas já reconhecidas e
sedimentadas sejam apagadas.
Portanto,
defender a família e seus valores dentro dessa nova perspectiva, vai muito além
do que supõem esses arautos de uma duvidosa ética familiar e de um modelo
”padrão” de família. E o direito já vem fazendo essa defesa de há muito. Os
“verdadeiros valores” da família não estão se desfazendo como pregam. O
difícil, para muitos, é perceber (e aceitar) que as coisas mudam. Seria
imperioso que postulantes a cargos públicos conhecessem um mínimo do Direito
antes de anunciar suas “propostas”.
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