O título da postagem é conhecido
amplamente na área jurídica, na qual o signatário atua, por sinal. Cuida-se de
uma expressão reconhecida e defendida por um suposto direito moderno que amplia
os poderes dos magistrados para que busquem uma decisão judicial o mais justa
possível, mesmo que para isso tenham que espancar alguma lei ou, pasmem, a
própria Constituição. Muitos acabam por confundir essa certa discricionariedade
com arbitrariedade e o Poder Judiciário caminha conforme vemos dia a dia. Mas
não é desse que se irá falar aqui.
Na
última semana, o protagonismo de alguns juízes do Brasil se deu além dos autos
processuais e invadiu o noticiário. De forma lamentável, saliente-se. Primeiro
cumpre citar a entrevista do Ministro Gilmar Mendes, aquele que o próprio Ricardo
Noblat chamou de “Gilmar Dantas” por sua “atenção” processual com o dublê de
banqueiro e criminoso Daniel Dantas e que também disse que “chamaria às falas”
o presidente Lula em pleno exercício do mandato presidencial. Também que
inventou uma pressão deste ex-presidente no julgamento do mensalão, mas achou
normal uma “aproximação” de FHC na análise do caso de José Roberto Arruda que
teria a candidatura ao governo do Distrito Federal julgada (e cassada), entre
outras situações de triste lembrança.
Pois
bem. Mendes disse temer que a Suprema Corte brasileira transforme-se em uma
corte “bolivariana”. Noves fora a completa indefinição do termo “bolivariano” e
que goza, mesmo assim, de incessante repetição entre os direitistas,
neodireitistas, babacas e neobabacas, o ministro quer que se creia que o STF
está prestes a servir cegamente ao governo, esquecendo-se da elementar divisão
e independência dos poderes. Alguém o lembrou que, com a aposentadoria
compulsória, em pouco tempo ele será o único ministro da casa indicado por um
presidente tucano. Bastou para indigná-lo.
Gilmar
apela para aparecer e se posicionar politicamente e deixa de lado a própria
Constituição da República. É ela quem estabelece como se dá a formação da mais
alta corte do país. Esquece, convenientemente, que se seu candidato houvesse
ganhado, também indicaria os novos ministros. E desconsidera descaradamente os
fatos, já que não apresenta qualquer indicativo de subserviência do Supremo
Tribunal Federal frente ao governo. Convém lembrar ao ministro que os mais
ferozes julgadores do processo do mensalão, a saber Joaquim Barbosa e Luiz Fux,
foram indicados por Lula. O ótimo jurista Gilmar Mendes deveria ter continuado
se dedicando à academia. Caiu no ridículo sem necessidade. Será que ele acharia
justo que a regra só valesse para quem vier a ocupar o cargo a partir dela, por
exemplo, o que seria o óbvio?
O
outro lastimável episódio ganhou repercussão após a divulgação de uma decisão
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que condenou uma agente de trânsito a
pagar indenização por danos morais a um juiz, parado por ela em uma blitz, por
lembrar-lhe de que ele não era Deus. O tribunal nos deixa a ideia de que ele é
sim o Nosso Senhor, já que a agente acabou condenada. Se ele não é mesmo Deus,
ela não disse nada demais. Mas se foi condenada por ter dito isso...
Vale
lembrar que o magistrado estava sem documentos do carro e sem a carteira de
habilitação. Mas é um juiz e ai de quem desafiá-lo, como ousou a pobre e digna
agente de trânsito no cumprimento de seus deveres. Ao ser informado de que seu
carro ficaria retido, bradou: “sou juiz de direito”, como se estivesse a
proferir a senha capaz de colocá-lo acima da lei e dos mortais. Pode até dar
certo em algumas ocasiões, o que se lamenta profundamente. Mas dessa vez não
colou.
Ora,
quem se investe em cargos públicos para acusar ou julgar alguém por seus
comportamentos perante a lei, deve dar o mais estrito exemplo em sua conduta e
não se valer da posição para intimidar quem está de fato observando o que prevê
o ordenamento jurídico. Ademais, é bom que se recorde que no caso em apreço,
ambos - juiz e agente de trânsito - são servidores públicos. Só que a um parece
ser dada uma superioridade (divindade) oriunda não se sabe bem de onde. A
agente cumpriu fielmente o que a lei manda, pra todos, inclusive juízes. Já o
nobre magistrado, talvez inebriado pela doutrina que os outorga o papel de
criador do Direito, achou que poderia fazê-lo a interesse próprio e, pior,
claramente ilegal.
Tal
ocorrido seria repelido pela sociedade com a devida veemência se não houvesse,
de fato, um endeusamento dos juízes, como se fossem mesmo seres superiores.
Essa falsa hierarquia criada e alardeada acaba por propagar tal ilusão. Basta
ver a fúria que acomete a população quando se vê diante de algum malfeito do
poder executivo, vide o triste episódio dos xingamentos à presidente na
abertura da Copa, entre muitos, ou do legislativo, nos incessantes impropérios
desferidos sem pudor contra deputados e senadores. Sabe-se que não vai
acontecer nada e que a ofensa é quase livre. O Judiciário parece um poder imune
a isso. A população teme se dirigir a ele, mesmo que esteja muito errado em
alguns casos. Só não sei dizer o por que. Medo de reprimendas como teve de
suportar a agente de trânsito, talvez. Mas certamente seria melhor que juízes
só se manifestassem nos autos dos processos, como recomenda a doutrina
clássica.
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