O grande amigo Mário Werneck,
ilustre advogado e professor das Alterosas, costumava dizer, na época em que
fazíamos o mestrado em Direito, que um país que passa por uma ditadura, demora,
pelo menos, o dobro do tempo que ela durou para se restabelecer plenamente em
termos democráticos. A vergonhosa ditadura do Brasil iniciou-se em 1964 e
terminou oficialmente em 1985.
Pelas
contas do Mário, portanto, ainda precisaremos de mais treze anos para
restaurarmos plenamente nossa democracia e os efetivos pilares do estado
democrático de direito estampado em nossa Constituição da República. Parece, no
entanto, que alguns resquícios da ditadura ainda impregnam nossa sociedade de
forma bastante eloquente, o que pode adiar indeterminadamente o processo de
plena redemocratização. Destaco entre eles, a prática e a tolerância com a tortura,
alguns políticos “filhotes” da ditadura ainda em cargos públicos e a cultura da
delação e da ameaça, objetos estas últimas da presente coluna. O roteiro a
seguir merece reflexão.
Corta
para uma sala de aula de uma escola em Cacoal: a professora escreve no quadro,
de costas para a turma, enquanto um dos alunos (ou alunas) lança sobre o quadro
o facho de uma caneta laser. A professora se vira e pergunta a todos: “quem
está fazendo isso?” Não há resposta, por óbvio (pausa para palmas da plateia).
Não satisfeita, a “educadora” lança mão do absurdo: “se não disserem quem é,
todos receberão advertência por escrito endereçada aos responsáveis.” Nada
(mais palmas). Parênteses: o signatário gostaria de mandar uma notificação aos
pais desses alunos parabenizando-os. Volta na “professora”, que, não satisfeita
com seu arroubo ditatorial, dispara: “então todos vão perder dois pontos em
duas matérias!” Chantagem ainda por cima. Os bravos alunos se mantiveram firmes
(mais palmas). Estamos diante de um grave escândalo pedagógico.
Não
parou por aí a sanha de agente do DOPS da “educadora”. Volta nela: Quem não
assinasse uma tal lista deveria se dirigir à sala da orientadora, que, aparentemente,
corrobora com os métodos da “professora”. Ora, que espécie de pedagogia é essa
para crianças de onze anos? Que cidadãos pretendemos formar? Que métodos são
esses? Estão educando às avessas? Quais são os valores perseguidos? Sou
professor há onze anos, posso falar com propriedade. Ademais, julga-se muita
vez, com base em premissa absolutamente equivocada, que violência é só ofensa
física. Grave engano. A ofensa psicológica e a violência intelectual podem causar
danos tão profundos quanto. Precisamos voltar com o slogam “abaixo a ditadura”?
E em uma escola de ensino médio?
Note-se
que, além de ameaçar gravemente quem não denunciasse um colega que,
convenhamos, não fez nada grave, ainda procurou impor como certa a conduta
delatória, à maneira como fazia o exército com aqueles contrários ao regime da
época, prática que tanto se condena. Será que ainda não conseguimos nos livrar
dos dedos-duros? Ou estamos criando novos, “facilitando” a busca sobre os
fatos? Ou talvez ainda existam nas escolas muitos extemporâneos simpatizantes
do golpe militar.
Felizmente,
a indigitada “professora”, não obteve êxito em seu surto ditatorial e
antipedagógico. Os alunos, em postura admirável, permaneceram inertes diante de
suas ameaças e ainda, em uníssono, reclamaram da possibilidade de serem
advertidos por se recusar a ter uma conduta das mais repugnantes. Certíssimos. Quem
merece uma advertência cabal é a professora, sem dúvida. Aos alunos, os nossos
mais sinceros elogios. Sempre ouvi em casa (e aprendi), desde pequeno, que um
dos maiores crápulas sociais é o dedo-duro. Não “dedurar” é imperativo ético.
Corta
agora para a campanha presidencial: o assunto palpitante do momento é uma
delação premiada (sic) de um criminoso preso (haja credibilidade!) que lançou à
luz uma série de nomes ao seu próprio alvedrio, sem apresentar até o momento
provas concretas da participação daqueles em episódios de corrupção na
Petrobras.
A
imprensa golpista e denuncista adorou, amplificando suas palavras e
incentivando sua propagação e infiltração entre os brasileiros para prejudicar
a presidenta Dilma e Marina Silva. Não conhecem a presunção de inocência nem o
devido processo legal. Ou, se conhecem, só usam quando interessa. Essa imprensa
sempre foi simpática à ditadura. Nada mais óbvio, portanto. O que seria louvável
é que esses jornalistas tivessem uma aula com os alunos de onze anos de uma
escola de Cacoal, que repeliram o resquício do “dedodurismo” e da ditadura e
preferiram o estado democrático de direito.
P.S. As coisas podem mesmo
piorar. Os professores dessa escola foram autorizados (por algum ignorante) a
tomar e rasgar trabalhos de alunos que estejam sendo realizados na aula de
outra disciplina. Caso algum “professor” siga está criminosa ordem, o
signatário sugere seja dada voz de prisão imediata por roubo. Esses são os
nossos educadores...