sábado, 26 de outubro de 2013

BIOGRAFIAS OU AUTOBIOGRAFIAS? JUSTIÇA OU CENSURA?

                 Tem causado bastante discussão a questão referente à divulgação de fatos da vida de pessoas famosas em biografias “não autorizadas”. De um lado biógrafos e editoras defendendo a liberdade de expressão, consagrada constitucionalmente, e, de outro, os biografados, incomodados com certas revelações ou abusos, amparados em nosso código civil que proíbe a publicação sobre a vida de alguém sem sua autorização a bem da intimidade e privacidade, valores também fundamentais.
                Costumo dizer, me referindo às celebridades (ou subcelebridades, categoria nova e lastimável, talvez exclusiva aqui desses Brasis) que a pessoa faz de tudo pra ficar famosa - e muitas vezes esse “tudo” é mesmo impublicável - mas que, no dia em que alcançam a “fama”, reclamam de volta sua privacidade. Parece uma grande incongruência. E é. A vida de pessoas famosas, muitos dos quais se tornam ídolos, é de interesse público, façam o juízo de valor que quiserem sobre isso. O artista não vive só de sua obra, não é só ela que interessa a uma grande parcela de seus fãs, seja isso bom ou ruim.
                Sem dúvida, estamos diante de um conflito de valores fundamentais de nosso ordenamento jurídico: a indispensável liberdade de expressão versus os louváveis direitos à privacidade e à intimidade das pessoas notórias ou mesmo das anônimas. Ambos são garantidos e protegidos em nosso estado democrático de direito. Não há, em nosso ordenamento, direitos que sejam absolutos, o que se revela na questão exposta. Difícil resolver-se de maneira definitiva, pois cabem ponderações e defesas dos dois lados. No entanto, me salta aos olhos a prevalência de um sobre o outro, senão vejamos.
                Somos responsáveis por nossos atos, todos eles, e isso não é só retórica moralista, é extrato de deveres legais e constitucionais. Seremos responsabilizados por atos ilícitos, por exemplo, podendo responder civil, criminal e administrativamente. Se são famosos, respondem inclusive perante a opinião pública, já que sua imagem também “pertence” ao povo, titular ainda de outro direito, o direito à informação. Se são biógrafos ou editores, responderão pela publicação ou divulgação de mentiras, calúnias, difamações etc. Há lei para todos os casos, protetivas e punitivas.
                Para que se evite a responsabilização, convém um cuidado maior antes de praticar determinada conduta. Se alguém famoso cometeu algo que o comprometa ou o responsabilize, deveria ter se precavido antes. Se alguém escreveu algo inverídico ou abusivo, também responderá. O que não deve haver, sob pena de um retrocesso inadmissível, é a censura prévia de publicações e escritos. Outrossim, deixar a cargo do biografado decidir quais fatos de sua vida devem ser retratados, transforma a biografia em autobiografia ou em trabalho da sua  assessoria de imprensa.
                Imaginem se alguém decidir escrever biografias de vultos históricos como o general Médici ou o ex-presidente Collor, só pra citar alguns, e precisar da autorização para mencionar o apoio e incentivo à tortura do primeiro ou os escândalos de corrupção que levaram ao impeachment do segundo. No caso do general, os censores seriam seus herdeiros, que, na idéia de membros do movimento “procure saber”, deveriam receber ainda um jabá pelas publicações. Incrível... Será que na biografia da Xuxa deverá ser omitido que ela fez um filme erótico? Se ela for perguntada, certamente proibirá. “mantenhamos nossos ídolos imaculados.” Soa ridículo, até por que, não são.
                Em democracias mais evoluídas que a dessas paragens, não existe essa malfadada censura prévia. Famosos são famosos e sua vida é contada para o público, sem embargos de possíveis (e prováveis) condenações em casos de inverdades ou abusos. O engajamento dos artistas se dá em outras frentes, mais coletivas e não apenas em interesse próprio. Já houve época em que isso acontecia por aqui.
                Falar mal do Chico Buarque, um dos meus grandes ídolos, é muito difícil pra mim, mas ele foi um dos que mais pisou na bola nesse assunto. A uma por defender a censura prévia e o jabá de herdeiros. A duas, mais lamentável, afirmou nunca ter dado entrevista ao biógrafo “proibido” de Roberto Carlos. Foi desmentido com provas e se desculpou. A memória de Chico deve andar combalida, resultado de excessos que também cometo e dos quais não me envergonho. No segundo caso ele ao menos se retratou.

                A preocupação dos famosos a meu ver deve ser com o cumprimento da lei, que garante a interrupção de publicações levianas, mentirosas etc, bem como a responsabilização dos envolvidos. Podem cobrar uma investigação mais meticulosa e provas mais cabais sobre fatos de suas vidas, uma metodologia de pesquisa mais confiável, entre outras medidas assecuratórias de seus direitos. Mas isso de maneira repressiva e nunca preventiva. Se a justiça é lenta ou não pune devidamente, já mudamos a discussão. Ademais, um erro não pode justificar o outro.

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