terça-feira, 11 de novembro de 2014

PROTAGONISMO JUDICIAL

                     O título da postagem é conhecido amplamente na área jurídica, na qual o signatário atua, por sinal. Cuida-se de uma expressão reconhecida e defendida por um suposto direito moderno que amplia os poderes dos magistrados para que busquem uma decisão judicial o mais justa possível, mesmo que para isso tenham que espancar alguma lei ou, pasmem, a própria Constituição. Muitos acabam por confundir essa certa discricionariedade com arbitrariedade e o Poder Judiciário caminha conforme vemos dia a dia. Mas não é desse que se irá falar aqui.
                Na última semana, o protagonismo de alguns juízes do Brasil se deu além dos autos processuais e invadiu o noticiário. De forma lamentável, saliente-se. Primeiro cumpre citar a entrevista do Ministro Gilmar Mendes, aquele que o próprio Ricardo Noblat chamou de “Gilmar Dantas” por sua “atenção” processual com o dublê de banqueiro e criminoso Daniel Dantas e que também disse que “chamaria às falas” o presidente Lula em pleno exercício do mandato presidencial. Também que inventou uma pressão deste ex-presidente no julgamento do mensalão, mas achou normal uma “aproximação” de FHC na análise do caso de José Roberto Arruda que teria a candidatura ao governo do Distrito Federal julgada (e cassada), entre outras situações de triste lembrança.
                Pois bem. Mendes disse temer que a Suprema Corte brasileira transforme-se em uma corte “bolivariana”. Noves fora a completa indefinição do termo “bolivariano” e que goza, mesmo assim, de incessante repetição entre os direitistas, neodireitistas, babacas e neobabacas, o ministro quer que se creia que o STF está prestes a servir cegamente ao governo, esquecendo-se da elementar divisão e independência dos poderes. Alguém o lembrou que, com a aposentadoria compulsória, em pouco tempo ele será o único ministro da casa indicado por um presidente tucano. Bastou para indigná-lo.
                Gilmar apela para aparecer e se posicionar politicamente e deixa de lado a própria Constituição da República. É ela quem estabelece como se dá a formação da mais alta corte do país. Esquece, convenientemente, que se seu candidato houvesse ganhado, também indicaria os novos ministros. E desconsidera descaradamente os fatos, já que não apresenta qualquer indicativo de subserviência do Supremo Tribunal Federal frente ao governo. Convém lembrar ao ministro que os mais ferozes julgadores do processo do mensalão, a saber Joaquim Barbosa e Luiz Fux, foram indicados por Lula. O ótimo jurista Gilmar Mendes deveria ter continuado se dedicando à academia. Caiu no ridículo sem necessidade. Será que ele acharia justo que a regra só valesse para quem vier a ocupar o cargo a partir dela, por exemplo, o que seria o óbvio?
                O outro lastimável episódio ganhou repercussão após a divulgação de uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que condenou uma agente de trânsito a pagar indenização por danos morais a um juiz, parado por ela em uma blitz, por lembrar-lhe de que ele não era Deus. O tribunal nos deixa a ideia de que ele é sim o Nosso Senhor, já que a agente acabou condenada. Se ele não é mesmo Deus, ela não disse nada demais. Mas se foi condenada por ter dito isso...
                Vale lembrar que o magistrado estava sem documentos do carro e sem a carteira de habilitação. Mas é um juiz e ai de quem desafiá-lo, como ousou a pobre e digna agente de trânsito no cumprimento de seus deveres. Ao ser informado de que seu carro ficaria retido, bradou: “sou juiz de direito”, como se estivesse a proferir a senha capaz de colocá-lo acima da lei e dos mortais. Pode até dar certo em algumas ocasiões, o que se lamenta profundamente. Mas dessa vez não colou.
                Ora, quem se investe em cargos públicos para acusar ou julgar alguém por seus comportamentos perante a lei, deve dar o mais estrito exemplo em sua conduta e não se valer da posição para intimidar quem está de fato observando o que prevê o ordenamento jurídico. Ademais, é bom que se recorde que no caso em apreço, ambos - juiz e agente de trânsito - são servidores públicos. Só que a um parece ser dada uma superioridade (divindade) oriunda não se sabe bem de onde. A agente cumpriu fielmente o que a lei manda, pra todos, inclusive juízes. Já o nobre magistrado, talvez inebriado pela doutrina que os outorga o papel de criador do Direito, achou que poderia fazê-lo a interesse próprio e, pior, claramente ilegal.

                Tal ocorrido seria repelido pela sociedade com a devida veemência se não houvesse, de fato, um endeusamento dos juízes, como se fossem mesmo seres superiores. Essa falsa hierarquia criada e alardeada acaba por propagar tal ilusão. Basta ver a fúria que acomete a população quando se vê diante de algum malfeito do poder executivo, vide o triste episódio dos xingamentos à presidente na abertura da Copa, entre muitos, ou do legislativo, nos incessantes impropérios desferidos sem pudor contra deputados e senadores. Sabe-se que não vai acontecer nada e que a ofensa é quase livre. O Judiciário parece um poder imune a isso. A população teme se dirigir a ele, mesmo que esteja muito errado em alguns casos. Só não sei dizer o por que. Medo de reprimendas como teve de suportar a agente de trânsito, talvez. Mas certamente seria melhor que juízes só se manifestassem nos autos dos processos, como recomenda a doutrina clássica.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

GOLPISMO

            Andou pegando mal, por um tempo, alguém dizer que era “de direita”. O país passou por uma redemocratização e vem passando por conquistas sociais históricas e indiscutíveis. Criticar era provar ou que não entendia nada de política ou que era insensível. Com a eleição presidencial de 2014 todos os escrúpulos e pudores se foram e os arroubos “direitistas” espocam por todo canto, sob o manto da “mudança” e da “liberdade de expressão”. Mesmo que nem se saiba pra onde se quer ir, como muitos. Mas o que vale agora é disputar o campeonato de truculência, de absurdos e de semi-nazismo. Um verdadeiro terceiro turno. Chegam a zurrar pela volta dos militares ao poder. (pausa para risos. Pedir a volta da ditadura em um protesto de rua talvez seja o cúmulo do contrassenso). Julgam-se legitimados para todo tipo de ataque inconsequente, ignóbil e abjeto. Será esse o legado da decantada “festa da democracia”?
                Dessa vez chegou muito perto dos senhores da casa grande voltarem a ocupá-la. E, segundo eles, com a chancela de metade do país. São ruins até de matemática, mas agora não vem ao caso. Tal proximidade, unilateralmente, os legitimou para duvidar de tudo e a voltar a impor seu estilo. E sempre com graúdos por detrás. Nunca souberam perder, mas dessa vez extrapolaram. Começaram o golpe pela mídia, como sempre. Antes mesmo da votação. E de forma vergonhosa. Golpismo do mais rasteiro possível. E o risco de ditadura está no PT... O que a Veja tentou criar não se vê em nenhum outro lugar. Por menos, já se fecharam jornais na Inglaterra, como o News of the World. Paulo Francis enfartou na década de 90 porque afirmou, nos Estados Unidos, que diretores da Petrobras (sempre ela) tinham contas no exterior. Liberdade de imprensa? Sim, mas com responsabilidade. A séria justiça estadunidense fez o óbvio: pediu provas. Ele não as tinha. Fosse por aqui estaria “protegido”.
                A desfaçatez de uma revista que se diz séria (pausa para gargalhadas) quase pôs em risco o verdadeiro processo democrático. Mas e daí, né? O que interessava era a vitória. A qualquer custo. Mas não veio. E agora? Vamos à democratização da mídia, ora! “Mas isso é censura!”, bradam justamente os que detém o seu controle. Democratizar não é regular. Serve, inclusive, para se evitar escândalos jornalísticos como esse da Veja. E também para cumprir a Constituição da República, pois não. Poucos sabem, mas dispõe o artigo 220 parágrafo quinto da nossa Carta Magna que “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.” Não é o que ocorre na prática.
                Não passam de dez as famílias que controlam a mídia brasileira. Isso é oligopólio. E de alto risco. Defender a liberdade de imprensa não é nenhuma descoberta da pólvora. É o óbvio. O próprio artigo citado acima proíbe a censura prévia, saibam. Só não podemos nos curvar à liberdade de pensamento de uma meia dúzia. Não há liberdade de imprensa no Brasil que não seja aquela que se coaduna com o que pensam os donos de emissoras de TV e de jornais. E isso está longe de ser liberdade. A democratização serve pra isso. Simples. Mas tem parecido difícil de entender. Mas é claro, os interessados na manutenção do estado de coisas atual nublam qualquer debate lúcido e, de antemão, impõem que isso é ditadura, é censura. E quem os lê, acredita. Enquanto a “sabedoria” desse pessoal vier de Constantinos, Azevedos, Mervais, Mainardis, Jabores e “meninas do Jô”, as coisas irão mal...
                Os gastos públicos com a mídia têm de ser revistos urgentemente. Não cabe mais, para exemplificar, o ervanário de seiscentos milhões de reais por ano para a cada vez combalida audiência da Rede Globo. Só serve mesmo para sustentar esses babacas. O dinheiro público não pode financiar uma suposta liberdade de imprensa de grandes (e poucos) grupos que, ainda por cima, se traveste dessa “liberdade” para ferir de morte ditames constitucionais e a própria democracia. E tudo de maneira descarada e, pior, impune. Vale a pena, ressalto, conhecer o sistema de co-regulação utilizado na Dinamarca.
                O novo golpe, agora pós votação e vitória legítima e incontestável de Dilma, vem com a “dúvida” sobre a lisura no processo eleitoral e na confiabilidade da urna eletrônica. Façam-me o favor, senhores! Por que não duvidaram antes? Ou melhor: por que não duvidaram no primeiro turno, quando seu candidato experimentou uma virada espetacular e imprevisível? Ou somente as urnas do primeiro turno eram confiáveis? O lamentável expediente tem causado indignação no Tribunal Superior Eleitoral, condutor do processo que, diga-se, é elogiado mundo afora. Outra tacada na água dos chorosos derrotados.
                Nada, a bem da verdade e da democracia, tem dado certo, felizmente. Decidiram tentar de outro modo. As notáveis manifestações de junho de 2013 mostraram o poder de mobilização do povo brasileiro quando pleiteiam causas justas e reais. Tentaram se valer disso para uma manifestação por um insustentável e risível impeachment da presidente ainda nem reempossada. Quase ninguém aderiu e mais esse delírio. Em São Paulo, maior cidade da América Latina, não chegaram a mil os gatos-pingados. Passeatas por causas factíveis, como a marcha da maconha, por exemplo, reúnem dez vezes mais.

                Ao cabo, é bom lembrar a esse pessoal algumas coisas: um: a eleição acabou. E vocês perderam. Dois: Não foi por isso que o Brasil se “dividiu”. O Brasil sempre foi dividido. Isso só se escancarou agora por que muitos direitistas saíram do armário. Três: para que alguém seja condenado, é imperiosa a condução do chamado devido processo legal. E isso exige provas. Quatro: o comunismo já acabou, falta vocês acabarem com o anticomunismo. Ah, e ele não se transformou em “bolivarianismo”. E, ah, nada disso será implantado no Brasil, por óbvio, mesmo que ridículo Gilmar Mendes (Dantas) tema. Só na cabeça de vocês e de seus gurus. Cinco: nada, absolutamente nada, que foi dito sobre Aécio Neves é mentira. E último: leiam coisas melhores do que a Veja. Querem sugestões? Jânio de Freitas e Ricardo Melo, na Folha (!); blog Diário do Centro do Mundo; Carta Maior; blog Tijolaço; blog Brasil247; Pragmatismo Político e muitos outros. E, claro, esse humilde blog, na qual nunca entrou um real, seja público ou privado.