Ainda há juízes no Supremo
Tribunal Federal brasileiro. A frase que inicia este texto remete ao famoso
conto ‘O Moleiro de Sans Souci’ de François Andrieux. Nele, um moleiro resiste
às investidas do Rei Frederico II interessado em comprar suas terras a fim de
ampliar um castelo. O monarca chega ao ponto de, pessoalmente, ameaçar de tomar
à força a propriedade, ao que responde o moleiro: Tomar-me? Como se não
houvesse juízes em Berlim.
O
pobre homem, evidentemente, se referia a um Judiciário que não se curvaria a
uma arbitrariedade, ao arrepio de um direito, mesmo que perpetrados pela
autoridade soberana do reino. Pelos últimos episódios judiciais do Brasil,
seguramente o moleiro não poderia clamar pelo nosso Poder Judiciário. Tentam,
por exemplo, fazer você acreditar que o único juiz probo do país é o Sérgio
Moro.
O
arrepio de direitos fundamentais vem sendo tratado como mero detalhe nas
“investigações” envolvendo o ex-presidente Lula. Aliás, não é possível que você
ainda acredite que o objetivo da operação Lava Jato não seja caçá-lo. Custe o
que custar. Que se custe a Constituição, inclusive. E já adianto que não estou
defendendo o Lula. Estou defendendo você, incauto! A Constituição não foi feita
só pro Lula, pra Dilma ou pra qualquer político. Ela rege (e protege) toda a
sociedade brasileira.
Temos
um tribunal com a finalidade específica de guardar a Constituição. Isso
significa que violações à Carta Magna serão julgadas por essa Suprema Corte. Há
um elenco de direitos fundamentais nesse diploma, conquistas que garantem à
sociedade brasileira que sejam resguardados, ao menos, seus direitos basilares,
calcados, sobretudo no paradigma da dignidade humana. Mesmo que uma “maioria”
queira afrontá-los.
Vimos,
após o embaraço causado pela nomeação de Lula para o Ministério da Casa Civil,
uma inegável vingança do juiz Moro, uma vez que, nessa condição, a competência
para análise judicial de questões envolvendo o ex-presidente seria transferida
para o STF. Ele acabara de perder a sua presa, seu troféu e sua meta. Passou de
todos os limites ao divulgar de forma irregular áudio envolvendo diálogo da
presidente e captado de maneira ilícita. As reações foram imediatas, sobretudo
dos defensores da Constituição. Notem que não dá pra defender a atitude de Moro
e a lei ao mesmo tempo.
A
insidiosa liberação do áudio convulsionou o país. Chegamos ao ponto de vermos
juízes e promotores fazendo verdadeiros comícios, o que, no mínimo deve soar
estranho. Vivemos tempos difíceis, é verdade. Mas não podemos deixar que se
percam a noção da lei nesse momento. E muito menos que isso ocorra no
Ministério Público ou no Judiciário, órgãos que têm por atribuição justamente
velar por ela.
Um
dos áudios mais difundidos foi o de Lula dizendo, em conversa informal, que o
Supremo estava acovardado diante da Lava jato e, mais ainda, da pressão da
mídia. Um parêntese para remeter a uma notícia de 2007 da Folha de São Paulo
acerca de uma conversa telefônica do Ministro Ricardo Lewandovski na qual dizia
que o STF votara acuado pela pressão da mídia algo referente ao mensalão. O que
se viu foi, de fato, um Supremo acovardado no início do desenrolar dos últimos
fatos.
Por
uma ironia do destino o sorteio de um Mandado de Segurança alcançou Gilmar
Mendes como responsável por decidir acerca da nomeação de Lula. Logo Gilmar,
que adora uma câmera para derramar seu ódio ao PT. Num mundo ideal, se daria
por suspeito. No Brasil, logo após um almoço com José Serra, proferiu liminar
suspendendo a posse de Lula e, mesmo não tendo sido pedido, remeteu os autos do
processo de volta a Moro. Lamentável. Aliás, Gilmar se viu obrigado a mudar sua
histórica posição acerca do assunto.
Quem
acabou depois se dando por suspeito para analisar um habeas corpus a favor de
Lula foi o Ministro Luiz Édson Fachin. Sua justificativa foi o fato de ser
amigo íntimo de um dos subscritores. E por que Mendes não era suspeito? O
destino lançou o processo à Ministra Rosa Weber, aquela que convidou Moro para
ajudar na confecção de seu voto no mensalão. Suspeita? Claro que não. Negou o
habeas corpus, é óbvio. Mais um ponto pra Moro e menos vários para a Lei.
Até
que surge o sério e discreto Ministro Teori Zavascki. Teori é o responsável
pelas questões da Lava Jato envolvendo pessoas com foro privilegiado no STF. E chamou
a coisa à ordem. O que se refere a Lula será julgado por ele. Teori conhece
como poucos a Constituição e mostrou que não se deixa levar pela mídia golpista
nem se informa pelo facebook.
Para
tristeza dos golpistas, colocou Moro no seu devido lugar. E ainda pediu
explicações. Teori foi firme e veemente, como um juiz da Suprema Corte deve ser
diante de flagrante violação constitucional. Expôs a ilegalidade cometida pelo
juiz paranaense e deixou claro que um julgamento desse porte não pode se pautar
por questões políticas.
Teori
volta a arrefecer o golpe. E não se engane quando falam que há respaldo
jurídico para o impeachment, por que não há. Inventar um crime de
responsabilidade para a presidente é um dos mais nefastos golpes já que se
traveste de jurídico. Nossa democracia é muito jovem para um ataque desses.
Ainda bem que Teori Zavascki provou que ainda há juízes no Supremo.