terça-feira, 30 de dezembro de 2014

GABRIEL MEDINA E A SOCIOAFETIVIDADE

                 A mídia, em todas as suas espécies, reservou longos (e merecidos) minutos e textos ao novo símbolo do esporte brasileiro, campeão inédito de uma modalidade muitíssimo praticada no Brasil e no mundo. Gabriel Medina é, de fato, excelente e também um bom exemplo em muitas frentes. Mas teve um lado que a mídia não viu, ou melhor, fingiu que não viu ou não deu a devida importância: a paternidade socioafetiva.
                O surfista Medina tem como seu grande aliado, treinador e incentivador o padrasto. Padrasto apenas tecnicamente (ou tradicionalmente) já que Medina o chama invariavelmente de pai. Mesmo diante da insistência de repórteres em ressaltar o termo ‘padrasto’ em suas perguntas, Gabriel responde sempre se referindo ao ‘pai’. Ele reconhece e exerce a socioafetividade. Os repórteres não. E por que será?
                Há ainda muita ignorância quanto a socioafetividade. O apego aos antigos referenciais da família faz com que se nuble a visão acerca dos novos paradigmas. E nesse contexto que se inserem, de forma antípoda, o preconceito e a perda do necessário referencial genético. A péssima brincadeira para consolar o traído (“não liga, pai é quem cria”) agora ganha pelnos contornos jurídicos. Pai é mesmo quem cria. E assim o direito de nossos tempos reconhece.
                A desbiologização da parentalidade, com efeito, é uma das pontas de lança do direito de família atual. Mas ainda não tem ganhado, fora do mundo jurídico, o merecido destaque. A genética, de há muito, vem perdendo sua preponderância frente à socioafetividade e isso já se encontra sedimentado em nossos tribunais. Mas parece ainda haver uma resistência social, mesmo que tenha partido da própria sociedade essa nova caracterização.
                Há inúmeros julgados nesse sentido, despiciendo dizer, e não só no reconhecimento da parentalidade. Seus desdobramentos também são alcançados, como o direito a suceder, o direito a alimentos, direito de convivência, direito à inclusão de sobrenome, entre outros, sendo que esse último já é permitido em lei, inclusive.
                Contudo, a socioafetividade ainda não alcançou sua plenitude e, provavelmente, a mídia não ajude. Destaca-se muito, ainda, o apego à biologia. Insiste-se sempre em pais e mães biológicos como pais realmente. “Se não existem, procuremos...” E ainda um aparente repúdio à ideia da multiparentalidade. Vale lembrar que Gabriel Medina conhece e convive com seu pai biológico, o que em nada o impede de reconhecer no ‘padastro’ a figura paterna.

                Talvez fosse o momento de se aproveitar ainda mais o belo exemplo de Medina e explorá-lo, no bom sentido é óbvio, como um propagador da melhor noção e da importância da socioafetividade no âmago da família.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

AÉCIO RAMBO



                  Alguém precisa avisar urgentemente ao senador Aécio Neves, derrotado democraticamente pela vontade do povo, refletida nas urnas nas últimas eleições presidenciais, que a eleição já acabou e que sua indignação seletiva já descambou para a ilicitude faz tempo. Talvez o ídolo tucano no Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes devesse lhe instruir que as condutas que vêm tomando, sobretudo as coisas que vem falando, são criminosas.
                Tudo bem que Aécio precisa da mídia e de arroubos de uma fúria já quase individual para “liderar” a impiedosa oposição que prometeu. Talvez nem mesmo Lobão ou Constantino façam coro, mas Aécio quer o enfrentamento, mesmo já estirado nas cordas. Tucanos são acostumados a achar que só as condutas dos outros são criminosas e que podem fazer (desrespeitar a Lei Seca, construir aeroportos pra família, distribuir verba publicitária para suas rádios, fingir que não fazem parte dos esquemas de corrupção etc, etc) ou falar o que quiserem.
                A última declaração “bombástica” do candidato derrotado foi afirmar que “perdi a eleição para um organização criminosa que se instalou no seio de algumas empresas brasileiras patrocinada por esse grupo político que está aí”. Já sabemos que Aécio desconsidera a vontade do povo expressa nos votos, o que, efetivamente, o derrotou. Ele parece se escudar na flexível “imunidade parlamentar”. Não é bem por aí. Ela tem limite, meu senhor.
                É bom lembrar ao senador derrotado legitimamente alguns artigos do ordenamento brasileiro, que devem ser obedecidos por todos, sejam tucanos ou não:
                Dispõe o artigo 138 do Código Penal, ao tratar dos crimes contra a honra: “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”
                Já no diploma Civil temos: Art 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” E ainda em seu artigo 52: Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.”
                A Constituição da República prevê, no entanto, a chamada imunidade parlamentar em seu artigo 53, verbis: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”
                Como dito acima, essa imunidade tem limite e se circunscreve ao exercício do mandato parlamentar. Que me conste, mesmo sendo senador, Aécio tem se manifestado nessas ocasiões exclusivamente como candidato derrotado (e frustrado), caso em que se afasta evidentemente a condição de “exercício do mandato”.
                O STF já se manifestou diversas vezes sobre o assunto em tela e vale trazer trechos de alguns desses julgados:

"A imunidade material prevista no art. 53, caput, da Constituição não é absoluta, pois somente se verifica nos casos em que a conduta possa ter alguma relação com o exercício do mandato parlamentar.” (Inq 2.134, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-3-2006, Plenário, DJ de 2-2-2007.)

“A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53,caput) – destinada a viabilizar a prática independente, pelo membro do Congresso Nacional, do mandato legislativo de que é titular – não se estende ao congressista, quando, na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não guarda qualquer conexão com o exercício das funções congressuais." (Inq 1.400-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-12-2002, Plenário, DJ de 10-10-2003.) No mesmo sentidoARE 674.093, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 20-3-2012, DJE de 26-3-2012; AI 657.235-ED, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 7-12-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2011; Pet 4.444, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 21-10-2008, DJE de 28-10-2008.

                Embora nem tão recentes, as decisões se encaixam como luva nas manifestações do candidato derrotado nas urnas. Aécio não é acostumado a perder. Mimado, sempre ganhou quase tudo na vida, na maioria das vezes de inescondível mão-beijada. O choro do perdedor é compreensível e tolerável. O crime não.

Ironicamente, faz lembrar o Rambo, aquele dos filmes de guerra da década de 1980. A certa altura alguém dispara: “é preciso avisar ao Rambo que a guerra já acabou.” Mas ele queria continuar guerreando sozinho, mesmo a guerra terminada. Felizmente, por aqui ainda impera o Direito, mesmo em uma guerra.