segunda-feira, 13 de agosto de 2012

FAMÍLIA DO FUTURO

                Um dos núcleos de personagens da atual novela das oito – Avenida Brasil – que mais se destaca é composto pelo ator Alexandre Borges e pelas atrizes Carolina Ferraz, Debora Bloch e Camila Morgado. Na trama, as três são mulheres do personagem Cadinho, vivido por Borges. Sempre com muito humor, ele se desdobrava para manter as três sem que uma soubesse da existência da outra, por óbvio.
                O malabarismo de Cadinho, no entanto, não durou muito e todas acabaram descobrindo a farsa do “trígamo”. Porém, na última semana foi ao ar a cena em que os quatro celebraram um acordo aceitando as múltiplas relações do personagem, que se dividirá consensualmente entre suas mulheres. O que chamou minha atenção foi o fato de que uma delas afirmou que eles formavam “a família do futuro”.
                Novelas e Direito não costumam andar bem e como professor de direito de família, não posso deixar passar o erro da afirmação sem, todavia, indicar a importância de uma ressalva. Vigora inexoravelmente no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da monogamia, não se admitindo mais de um casamento simultaneamente. Tal princípio alcança também a união estável. A legislação pátria repudia a formação de famílias paralelas.
                É sabido também, por outro lado, que a família é uma instituição cultural, moldada conforme os interesses de uma determinada sociedade em um certo período no tempo. A família monogâmica é milenar e serve de modelo para a maior parte dos países. Não se pode, contudo, negar que o formato tradicional da família vem experimentando uma flexibilização, ampliando-se o reconhecimento social e jurídico de novas entidades familiares, dentre elas, de maneira ainda bastante tímida, a família paralela, ora em comento. Há algumas decisões nesse sentido, inclusive aqui em Rondônia (autos n. 001.2008.001688-9, TJRO)
                O que me incumbe salientar é que a família, nos moldes considerados tradicionais, embora relativizada, não está nem estará tão cedo em extinção. Continua sendo uma família do presente e será, por muito tempo ainda, do futuro. A família paralela ou poligâmica retratada na novela pode vir a ser uma das famílias do futuro, em virtude da pluralidade do reconhecimento das entidades familiares, mas não ‘a’ família do futuro.
                Teorias como a do poliamor buscam justificar a possibilidade do novo modelo, afirmando que relações afetivas podem ocorrer concomitantemente, inclusive de maneira consensual, admitindo-se que é possível se amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, já que, conforme a referida teoria, a monogamia não seria o padrão dominante entre as espécies, inclusive a humana.
                Resta saber se nossa sociedade já está apta a absorver e reconhecer tal modelo na vida real. Note-se que na trama é um homem que tem três mulheres. E se fosse o contrário? Ainda vejo a nossa sociedade altamente machista e tenho certeza que a mulher que tivesse três homens seria execrada e tida como vagabunda, assim como certamente ainda serão consideradas aquelas que dividem o mesmo homem.  Mas como a formação familiar com base no afeto é algo em que a decisão pessoal tem fundamental importância, deixo a pergunta: E se fosse com você?

5 comentários:

  1. traços dessa familia já são descritos na literatura.resta saber se as cabeças se abrirão para aceitar a divisão do afeto mais egoista,que é o da relação conjugal

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  2. Concordo integralmente com suas palavras, Bernardo. Aos poucos, a temática do poliamor/poligamia aparece nos produtos da industrial cultural sem a condenação de uma moral hipócrita (seriado Aline, Marilda da Grande Família, Cadinho etc). Imagino que no futuro os relacionamentos afetivos serão mais estruturados em acordos particulares entre as partes envolvidas (seja um casal convencional, bissexuais, um trio, quarteto etc)e menos no modelo hegemônico hipocritamente defendido nos dias atuais (monogamia fundada no mito do amor romântico), o que não significa a extinção deste modelo "dominante" pela superação de outro, mas a convivência de vários modelos, cabendo o indivíduo buscar aquela configuração que mais se enquadra no seu anseio. A partir desses acordos, creio que as pessoas poderão viver de maneira mais saudável emocionalmente, pois mudaria a racionalidade e, consequentemente, menos crimes passionais, remédios para curas de amor, terapias de casal, ou seja, paliativos criados para minimizar os efeitos da falência do modelo romântico atual sairiam de cena, podendo o indivíduo gastar seu dinheiro na sua saúde. Em suma, a sociedade ocidental ainda levará muito tempo para a aceitação harmônica de vários modelos de relacionamentos e conjugalidade, sem cair no discurso condenatório, assim como o indivíduo perceber que poderá firmar acordos privados com seu(s)/sua(s) parceiro(s)/parceira(s), mas o debate é sempre importante a fim de combatermos a moral sexual civilizada burguesa que já deu mostras de sua falência (embora seja um produto que insistimos em comprar rsrsrs). Recomendo a complementação dessa temática a leitura de W. Reich, J. Gaiarsa, Roberto Freire (o do bem!), Regina Navarro Lins e Mirian Goldenberg.

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  3. Muito bom, Rogério. É uma bela complementação ao texto. Aliás, muitos dos textos são mesmo resultado de nossos debates. Agradeço as sugestões de leitura. Valeu pela participação, mais uma vez. Abraço.

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  4. WILLIANS ALVES DE OLIVEIRA15 de agosto de 2012 às 12:32

    Ótimo tema a ser debatido, sou do tipo que busca manter a família conforme os padrões sociais, os mesmos que meu pai seguiu e me repassou em meu período de socialização, entendo que o mundo esta em constante evolução, a sociedade busca novos rumos, e novas dimensões culturais, devemos ver a família com olhos cheios de amor, entender como uma instituição especial. Em Gênesis c. 1 v.27,28 está escrito: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos...”.

    Não menosprezo a classe com outro entendimento sobre a família, mas digo que caso seja assim como "Cadinho" no futuro não seria diferente de Sodoma e Gomorra, ou de Woodstock. Viraria bagunça. Não importa qual a visão familiar, o que importa mesmo é manter o respeito entre os pertencentes desta instituição!

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  5. Muito bom professor Bernardo. Tema polêmico esse, particularmente acredito que por parte do autor da novela a afirmação foi um tanto quanto exagerada, é certo que a estrutura da família está mudando, mas nada que se compare a celebração de um acordo com esse fim. Na novela em questão é tudo apresentado de forma engraçada e irreverente, agora se formos levar isso para o mundo real, definitivamente os "Cadinhos" do futuro podem se preocupar, pois histórias assim dificilmente terminam bem.
    Cada um sabe de sua vida pessoal, portanto, é necessário antes de mais nada avaliar esses padrões de família dentro de um contexto social pertinente, sem afetar a real essência dos laços familiares.

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