sexta-feira, 8 de agosto de 2014

'AERO' NEVES

               Tucanos, como a grande maioria das aves, voam. Os tucanos da política brasileira – apelido auto-escolhido pelo PSDB – há tempos deixaram o fio dos muros (quando perderam o governo) e passaram a realizar muitos voos, normalmente de ataque, quase sempre infundado, odioso e irresponsável, contrariando a própria natureza do animal, pacato e quieto. Coisas da política.
                Em Minas Gerais os voos tucanos, na humana acepção da palavra, ou seja, por intermédio de aeronaves, se mostraram extremamente confortáveis, sobretudo para os parentes do ex-governador mineiro e candidato tucano à presidência Aécio Neves. Foi descoberta a construção, com recursos públicos, na modesta cidade de Cláudio, onde têm fazendas, de um aeroporto, “administrado” pela família do ex-governador. A “chave” do local (público) fica sob os cuidados de um tio de Aécio. Incrível...
                Não bastasse o, no mínimo suspeito, aeroporto da pequena Cláudio (25.600 habitantes em 2010 segundo o IBGE), de insondável importância pública e em que foram gastos quatorza milhões de reais (!!!), foi ainda descoberto que, também com verba do estado, foi erguido um outro no menor e menos conhecido município de Montezuma (7.400 habitantes em 2010 segundo o IBGE), também em Minas. Em comum entre os dois, além da desnecessidade evidente, há o fato de que nesta cidade a família de Aécio também possui propriedades.
                A impessoalidade é princípio constitucional da administração pública, assim como a supremacia do interesse público sobre o particular. Aécio parece (ou finge) não saber disso. As Minas Gerais, por essência e por natureza, nos presenteiam eventualmente com “preciosidades”. Tais escândalos, assim como o ‘mensalão mineiro’, pai do outro ‘mensalão’, que eles tentam abafar, demandam uma explicação cabal, antes que essas práticas se transfiram para o plano nacional. Felizmente a vitória dos tucanos nas eleições presidenciais é improvável.
                Depois de mais de dez dias de silêncio (talvez na espera de ouvir de alguém o que deveria dizer sobre o fato) o ex-governador se manifestou e disse que realmente usou o aeroporto de Cláudio umas três ou quatro vezes. A indefinição no número e a conhecida cara de pau do político podem nos deixar elevar as marcas a utilizações maiores. Ele se defendeu, julgando a situação como um “equívoco” de sua parte. Curioso, quando a falha ou o ilícito é cometido pelos outros candidatos ele chama de escândalo...
                Tais “realizações” trouxeram à lembrança do signatário um fato passado aqui. Cheguei a Cacoal há sete anos e me lembro do empenho e da luta da COPAHRC para que tivéssemos um aeroporto em nossas paragens, afinal, somos uma das maiores e mais importantes cidades de Rondônia. Demorou muito, exigiu esforços hercúleos, mas saiu. Acaso o senhor ‘Aero’ Neves ou sua família possuíssem propriedades por aqui, talvez as dificuldades tivessem sido bem menores.
                A falta de propostas e de programas da oposição vai transformar a campanha dos tucanos em um vendaval de ataques, já que não têm nada pra apresentar e contam com o suporte dos impérios da mídia. Agora, com um telhado de vidro como esse, vai ser difícil sustentar o contragolpe. Talvez seja a hora de repensar a estratégia e tentar apresentar uma agenda e um programa para o país. O povo não é tão idiota quanto eles pensam.

Obs: a citada fazenda em Cláudio já foi flagrada em 2009 com trabalho escravo. Nada mal para um postulante à presidência de um país...

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

ARIANO, A ESQUERDA E A DIREITA

               Como a grande maioria da população não lê praticamente nada (parece ter uma verdadeira ojeriza a livros, anoto), não teve o devido destaque e, via de consequência, o devido lamento e a tomada de consciência do risco da falta de substitutos, a morte, com diferença de poucos dias, de três gigantes da literatura brasileira: João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna.
                Suassuna ainda angariava mais admiradores modernos, sobretudo por sua singular verve irônica, pelo Auto da Compadecida (famoso na TV) e pela associação com o futebol, nada muito literário, infelizmente. Mas tanto ele, quanto os outros que também se foram, têm muito mais coisa boa para se conhecer. E é sobre um texto de Ariano Suassuna que se irá comentar, até mesmo à guisa de homenagem, pois, como acontece normalmente com os clássicos, está cada vez mais atual.
                É comum se dizer que não existe mais esquerda e direita. Quem diz isso normalmente é de direita e é, sem dúvida, um subterfúgio para se fugir da discussão, esvaziá-la e tentar se igualar todo mundo. E está absolutamente errada essa ideia. Pode não haver mais entre partidos políticos as divisões entre esquerda e direita, já que se transformaram em clones uns dos outros, guiados muito mais por interesses internos (escusos) do que externos, contrariando sua essência de representatividade e seu papel instrumental.
                Há ainda, sem dúvida, e como muito bem delineou Suassuna, homens de esquerda e de direita, independentemente de partidos ou da prática política. Os ideais permanecem. Com um viés religioso, mas inteligente, para analisar, o autor paraibano leva em conta a questão da justiça com os desvalidos para separar esquerda e direita, com óbvia desvantagem, por sua própria essência, para esta última.
                Ariano afirma que “Herodes e Pilatos eram de direita, enquanto o Cristo e são João Batista eram de esquerda. Judas inicialmente era da esquerda. Traiu e passou para o outro lado: o de Barrabás, aquele criminoso que, com apoio da direita e do povo por ela enganado, na primeira grande “assembléia geral” da história moderna, ganhou contra o Cristo uma eleição decisiva. De esquerda eram também os apóstolos que estabeleceram a primeira comunidade cristã, em bases muito parecidas com as do pré-socialismo organizado em Canudos por Antônio Conselheiro. Para demonstrar isso, basta comparar o texto de são Lucas, nos “Atos dos Apóstolos”, com o de Euclydes da Cunha em “Os Sertões”.”
                E conclui, de forma magistral: “no Brasil atual, outra maneira fácil de manter clara a distinção é a seguinte: quem é de esquerda, luta para manter a soberania nacional e é socialista; quem é de direita, é entreguista e capitalista. Quem, na sua visão do social, coloca a ênfase na justiça, é de esquerda. Quem a coloca na eficácia e no lucro, é de direita.”

                A grande diferença matricial entre esquerda e direita está justamente nisso. Enquanto a direita luta pela liberdade (em sentido amplo), a esquerda luta pela liberdade aliada à igualdade. Não há liberdade na diferença. Não há aferição de mérito na disputa entre desiguais. Não há justiça sem as mesmas condições para todos. E, ainda, não há mais a Casa Grande e a Senzala. É essa a essência da esquerda, não dos supostos partidos de esquerda. E é isso que as pessoas teimam em não querer enxergar, ou, propositalmente, por uma contaminação midiática, preferem confundir. Obrigado, Ariano Suassuna.