terça-feira, 29 de abril de 2014

CORRIGINDO IMPROPRIEDADES: #NÃOSOMOSTODOSMACACOS



                É indiscutível a repugnância às atitudes preconceituosas ocorridas no último fim de semana no meio esportivo. Na Espanha, foi lançada uma banana na direção do brasileiro Daniel Alves, jogador do Barcelona. A reação dele foi imediata e genial: Daniel comeu a banana, atordoando, certamente, seu ofensor. Nos Estados Unidos um dirigente de um time de basquete fez uma ligação (gravada) criticando e condenando asperamente a namorada que havia postado uma foto ao lado de um jogador negro em sua rede social. Ambos os fatos causaram enorme indignação no mundo e respostas à altura, inclusive de Barack Obama.
                Cumpre corrigir, no entanto, uma impropriedade jurídica acerca destes fatos: não se tratam de crimes de racismo e sim de crimes de injúria qualificada, o que, tecnicamente, é bem diferente. Prevê, com efeito, o artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal: Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: (...) 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Pena - reclusão de um a três anos e multa. É a tipificação, em nossa legislação, da injúria racial, o que de fato aconteceu nos episódios citados já que houve ofensa direta à honra subjetiva de determinadas pessoas em razão de sua raça ou cor.
                O crime de racismo, por sua vez, está previsto na lei 7716/89. Ocorre quando se nega ou se impede o exercício de direitos a alguém com base em questões de raça ou cor. Aproximando-se dos fatos ocorridos, se daria caso o jogador Daniel Alves, por exemplo, fosse impedido de entrar em campo em virtude do fato de ser negro (ou mulato, como ele é realmente). São circunstâncias bastante diferentes. O crime de racismo, aliás, é imprescritível e inafiançável, ressalte-se.
                Desfeita a impropriedade técnica, convém analisar um lado da repercussão do primeiro fato. Explodiu nas redes sociais, capitaneada por jogadores e por artistas que não perdem a oportunidade de aparecer por “boas causas”, uma campanha de repúdio à atitude contra o jogador brasileiro estampando a frase: “somos todos macacos”. Imaginam, me parece, que estão igualando a todos, considerando-nos todos como macacos.
                Ora, não sou macaco! Absolutamente! Nem macaco, nem boi, nem girafa, nem urso, nem leão, nem qualquer bicho. E não pelo fato de ser branquelo. Sou simplesmente humano, assim como os ofendidos e ofensores nos casos em comento. Ademais, ao assumir uma condição de “macaco” não poderia me incomodar com o fato de alguém me lançar uma banana. Nada mais normal, aliás. Não somos macacos, definitivamente. Somos humanos. É isso que nos iguala. Além disso, foi completamente quebrado o caráter genuíno da campanha, que parecia espontânea. Revelou-se que uma agência de publicidade, associada ao Neymar, já tinha tudo pronto, “esperando a hora certa para lançar”. O Luciano Huck Já tinha as camisetas prontas e está vendendo a R$70,00. Oportunismo descarado em várias frentes.
                Por outro lado, é bom lembrar que esses episódios ocorreram bem longe e quem sofreu foram pessoas famosas e muito bem de vida financeiramente que, sinceramente, não sei se incomodam tanto com essas ofensas. Já atingiram um status na hierarquia social, deixando de lado qualquer dificuldade referente à sua raça ou cor. Devíamos aproveitar o ensejo, no entanto, para nos preocuparmos com o insidioso racismo real que vivenciamos diariamente aqui no nosso país, sobretudo contra negros pobres, e que não é exposto devidamente na mídia nem abraçado por artistas. Vimos há pouco um ator sendo preso confundido com o verdadeiro criminoso pelo fato de também ser negro. Ou os negros reduzidos a condição análoga à de escravo por grandes fazendeiros e empresários. Ou muitos outros casos... São fatos corriqueiros e, lamentavelmente de pouca repercussão e menos ainda de punição.
                Não basta criticar o que aconteceu lá fora, nem fazer campanha oportunista em prol de negros de elite. Tem-se que corrigir e coibir o que há aqui, debaixo de nossos narizes e – pior- praticado por nós mesmos.

terça-feira, 1 de abril de 2014

MENTALIDADE INADMISSÍVEL E VERGONHOSA

             A vontade de uma maioria nem sempre será a tradução da legítima democracia e ainda que essa eventual vontade proporcionalmente maior se limita exatamente quando se confronta com os ditames do próprio regime democrático, em que se garante o estado democrático de direito bem como o cumprimento dos preceitos constitucionais. Caso contrário, além do risco de imposições de ordem bastante duvidosas, mal influenciadas ou até mesmo ilegais, viveríamos uma ditadura da maioria e não uma democracia. Uma maioria, seja ela qual for, não pode derrubar os pilares da própria democracia, sob pena de inominável contrassenso. 
                O que vou descrever aqui não se trata de uma tentativa de imposição de qualquer norma, mas é o resultado, absolutamente estarrecedor sublinhe-se, de uma pesquisa séria e que mostra como poderia ser perigoso se levar sempre em conta a vontade de uma maioria e serve ainda para confirmar que a vontade da maioria não pode significar necessariamente o destino da democracia ou até mesmo a condução de um Estado, senão vejamos.
                Uma pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), uma das mais respeitadas instituições brasileiras quando se fala em pesquisa, revelou que, para a maioria dos entrevistados, “mulheres que usam roupa curta merecem ser atacadas.” E ainda que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”.
                Que absurdo! O estupro faz parte da lista dos crimes hediondos e teve recentemente ampliada a sua possibilidade de verificação, em um flagrante e necessário aumento da proteção à vítima, vulnerável, na maioria dos casos. Hediondo significa repugnante, repelente, asqueroso, ignóbil, dentre outros sinônimos todos deste nível. Um crime dessa natureza e com essas características são os piores crimes imagináveis, que mais chocam a sociedade e os quais com mais gravidade se pune. No entanto, de acordo com os entrevistados desta pesquisa a culpa passou a ser da vítima de um dos crimes mais hediondos possíveis??? Não só a culpa, como carregar também o “merecimento” do ataque. Vergonhoso...

                A repugnância e a inadmissibilidade do ato seriam afastadas ou justificadas por uma inexistente “provocação”. É o cúmulo de um machismo ridículo que já parecia superado. E mesmo que houvesse a eventual provocação, em nada atenuaria a conduta vil do estuprador. A mulher ainda é tida como objeto do homem. Fica até difícil comentar. O pior é que a pesquisa foi respondida tanto por homens quanto por mulheres. Mais uma vez as posições e os valores estão invertidos. Fica difícil acreditar em um país que, em pleno século XXI, tem uma mentalidade dessas...