segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ABORTO LÚCIDO

                Sempre faço duas perguntas aos meus alunos: “Quem é a favor do aborto?” e, em seguida, “quem é favor da legalização do aborto?”. Na grande maioria das vezes, os mesmos que levantam a mão para se mostrarem a favor do aborto, levantam também na segunda pergunta, imaginando, assim como os que não se manifestaram, tratar-se de perguntas idênticas. Não são.
                Na primeira, quero perguntar quem é a favor da prática do aborto, quem provavelmente praticaria ou, pelo menos, aprovaria. Na outra, muito diferente, quero saber quem seria favorável à liberdade de quem quer realizar o aborto poder fazê-lo com o amparo da lei, mesmo que ele não aprove a prática. É conceder direito a quem quer ter a conduta, independentemente de concordar-se com ela.
                A confusão é compreensível. O assunto aborto é delicado e a maioria evita. Se posicionar é arriscado e temeroso, para muitos. Ou, de antemão, já lançam um argumento truculento, nocivo a uma discussão lúcida, inteligente ou científica. E quase sempre a carga religiosa e/ou hipócrita é a marca deste “argumento”. É preciso deixar muito claro que a lei não pode sofrer influxo religioso já que vivemos em um Estado laico, sem religião e que garante a liberdade de crença, inclusive de não-crença.  Como explicar a uma atéia, por exemplo, que ela não pode fazer um aborto e que o fundamento da lei que proíbe é religioso?
                Ademais, fechar os olhos para a realidade, que nos mostra que a prática do aborto é constante, independentemente da proibição, inclusive por alguns que, quando perguntei, não levantaram as mãos em nenhuma das perguntas (hipocrisia) é perigoso e se revela uma omissão. Com efeito, as ricas, por exemplo, podem abortar com segurança, em clínicas especializadas. As pobres, muitas delas, morrem tentando abortar de maneira improvisada. E assim seguimos a lógica brasileira de que quem pode pagar, pode fazer, quem não pode se dana.
                Já passou da hora de se ter uma discussão lúcida sobre a legalização do aborto no Brasil, sem interferências de ordem religiosa ou de hipócrita. Já houve um primeiro passo, que foi o julgamento da ADPF 54 no Supremo Tribunal Federal que decidiu pela possibilidade do aborto do feto anencéfalo.  A discussão foi lúcida e científica. A consagração da laicidade impede tanto que o Estado intervenha ou interfira em questões de cunho eminentemente religioso, bem como proíbe que as decisões estatais sejam proferidas sobre influxos de qualquer crença ou religião. Segundo o ministro Marco Aurélio, relator do processo: “Paixões religiosas de toda ordem hão de ser colocadas à parte na condução do Estado. (...) Ao Estado brasileiro é terminantemente vedado promover qualquer religião”. Pecado e ilicitude são coisas diferentes.
                Há ainda o exemplo de países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde a prática é permitida em muitos de seus estados. Lá não há uma vulgarização da conduta, nem mesmo notícia de qualquer maldição sobre eles. Com uma eventual legalização consciente, lúcida, bem discutida, garante-se, no mínimo, a autodeterminação, o direito da mulher sobre o próprio corpo e a redução no número de mortes de gestantes que tentam abortar. E também uma diminuição na hipocrisia, o que já seria muito vantajoso.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

SIMBIOSE

                Segundo o dicionário on line de português, simbiose significa “associação de dois ou mais seres de espécies diferentes, que lhes permite viver com vantagens recíprocas e os caracteriza como um só organismo.” O termo também é utilizado em outras áreas e, fazendo uma analogia, podemos imaginá-lo até em atividades econômicas.
                Sempre que se instala uma empresa em uma cidade anunciam-se o número de empregos gerados de maneira direta e indireta. Os diretos, por óbvio, são os oferecidos pela própria empresa. E os indiretos são aqueles que o desenvolvimento da nova atividade traz a reboque. Assim, por exemplo, ocorre quando se inaugura uma fábrica de automóveis. Junto com ela provavelmente virão fábricas de peças, pneus etc, também geradores de empregos, os tais indiretos. A relação é simbiótica.
                Na economia informal também pode acontecer, como veremos, de maneira bem inusitada. Economia informal essa, aliás, muito ampla em nosso país, mas que não entra nos termômetros que medem as economias mundiais. Caso entrassem, alguns economistas, como Ricardo Amorim, garantem que o Brasil já seria a quarta maior economia do mundo.
                Cacoal, como se sabe, é uma cidade projetada e que, por anos teve um fluxo de trânsito bom e relativamente organizado, dispensando a utilização de semáforos. Agora isso acabou. Foram instalados quatro sinais de trânsito em nosso município, imaginando-se que com isso os problemas estariam resolvidos e que seria um sinal de progresso, sem trocadilhos. Não é isso, no entanto, que se pretende discutir agora.
                O que chamou a atenção foi que, a exemplo do que ocorre nas cidades de grande porte, logo que instalaram os sinais, quase que de maneira imediata, surgiram do nada os famosos malabaristas de fogo, aqueles que ficam jogando pro alto e girando bastões com pontas flamejantes e que, ao final, cobram uma espécie de couvert artístico dos motoristas parados esperando o sinal abrir.
                Seria um exemplo de simbiose econômica na economia informal? É possível que a instalação de sinais de trânsito tenha se tornado uma atividade econômica gerando empregos indiretos de malabaristas? Fiquei me perguntando como eles descobrem que novos semáforos foram instalados. Será que acompanham os processos de licitação? “Abriram quatro vagas de emprego em Cacoal.” A “contratação” deve ser na base do ‘quem chegar primeiro’, à maneira dos flanelinhas. Não dá pra saber ao certo, mas que impressiona a velocidade com que essas “vagas” são ocupadas, isso impressiona.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

FAMÍLIA DO FUTURO

                Um dos núcleos de personagens da atual novela das oito – Avenida Brasil – que mais se destaca é composto pelo ator Alexandre Borges e pelas atrizes Carolina Ferraz, Debora Bloch e Camila Morgado. Na trama, as três são mulheres do personagem Cadinho, vivido por Borges. Sempre com muito humor, ele se desdobrava para manter as três sem que uma soubesse da existência da outra, por óbvio.
                O malabarismo de Cadinho, no entanto, não durou muito e todas acabaram descobrindo a farsa do “trígamo”. Porém, na última semana foi ao ar a cena em que os quatro celebraram um acordo aceitando as múltiplas relações do personagem, que se dividirá consensualmente entre suas mulheres. O que chamou minha atenção foi o fato de que uma delas afirmou que eles formavam “a família do futuro”.
                Novelas e Direito não costumam andar bem e como professor de direito de família, não posso deixar passar o erro da afirmação sem, todavia, indicar a importância de uma ressalva. Vigora inexoravelmente no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da monogamia, não se admitindo mais de um casamento simultaneamente. Tal princípio alcança também a união estável. A legislação pátria repudia a formação de famílias paralelas.
                É sabido também, por outro lado, que a família é uma instituição cultural, moldada conforme os interesses de uma determinada sociedade em um certo período no tempo. A família monogâmica é milenar e serve de modelo para a maior parte dos países. Não se pode, contudo, negar que o formato tradicional da família vem experimentando uma flexibilização, ampliando-se o reconhecimento social e jurídico de novas entidades familiares, dentre elas, de maneira ainda bastante tímida, a família paralela, ora em comento. Há algumas decisões nesse sentido, inclusive aqui em Rondônia (autos n. 001.2008.001688-9, TJRO)
                O que me incumbe salientar é que a família, nos moldes considerados tradicionais, embora relativizada, não está nem estará tão cedo em extinção. Continua sendo uma família do presente e será, por muito tempo ainda, do futuro. A família paralela ou poligâmica retratada na novela pode vir a ser uma das famílias do futuro, em virtude da pluralidade do reconhecimento das entidades familiares, mas não ‘a’ família do futuro.
                Teorias como a do poliamor buscam justificar a possibilidade do novo modelo, afirmando que relações afetivas podem ocorrer concomitantemente, inclusive de maneira consensual, admitindo-se que é possível se amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, já que, conforme a referida teoria, a monogamia não seria o padrão dominante entre as espécies, inclusive a humana.
                Resta saber se nossa sociedade já está apta a absorver e reconhecer tal modelo na vida real. Note-se que na trama é um homem que tem três mulheres. E se fosse o contrário? Ainda vejo a nossa sociedade altamente machista e tenho certeza que a mulher que tivesse três homens seria execrada e tida como vagabunda, assim como certamente ainda serão consideradas aquelas que dividem o mesmo homem.  Mas como a formação familiar com base no afeto é algo em que a decisão pessoal tem fundamental importância, deixo a pergunta: E se fosse com você?

terça-feira, 7 de agosto de 2012

UMA MERDA...

                O falso moralismo e a bitolada obediência ao politicamente correto ganharam destaque na transmissão olímpica da Rede Globo em Londres que, por não deter os direitos de transmissão para a TV aberta, apostou suas fichas no Sportv, canal a cabo da sua subsidiária Globosat.
                A atleta brasileira Ana Cláudia Lemos, ao ser abordada imediatamente após seu fraco desempenho na prova dos 200 metros rasos nas Olimpíadas, disparou: “foi uma merda... foi frustrante, esperava mais de mim. Agora é esperar o revezamento. Tecnicamente não foi nada bom pra mim hoje, não sei o que aconteceu, mas não fiz nada certo” O narrador e o comentarista ignoraram a decepção e o sofrimento da atleta, treina exaustivamente em busca de um bom resultado olímpico que não fora atingido, bem como toda a racionalidade da maior parte da sua fala e partiram pra cima da brasileira.
                O ex-corredor e hoje comentarista André Domingos afirmou “que o atleta tem de ser educado e precisa se controlar.” E o narrador Roby Porto emendou pedindo desculpas ao telespectador que “não tinha de ouvir isso”. Ouvir o que Roby? O que se ouve nas novelas e nos programas da própria Globo? O que se ouve quando alguém está efetivamente chateado, o que se ouve quando se extravasa?
                Se a brasileira tivesse feito alguma manobra na “malandragem”, talvez não levasse uma lição de moral, já que seria o famoso ‘jeitinho brasileiro’. Se tivesse se ajoelhado e agradecido aos céus por seu fraco desempenho, certamente seria exaltada em nome da nova ‘moral’ brasileira. Se tivesse agradecido aos seus patrocinadores, seu técnico e sua família então... Até se tivesse inventado uma desculpa seria absolvida. Mas, como disse ‘nome feio’... E em um canal que pertence à Globo...
                Engraçado é que a Rede Globo não pede desculpas ao telespectador quando manipula notícias nem quando insulta a inteligência do brasileiro com seus programas absurdos nem mesmo quando põe no ar entrevistas e depoimentos baseados em mentiras. Não dá para ser ético pela metade. E, além disso, esse ‘politicamente correto’ é um saco. Aliás, acho que esse texto ficou uma merda...