terça-feira, 26 de junho de 2012

UM FANTASMA RONDA OS MAUS JUÍZES

               Talvez se procurarmos nas fábulas, mitologias e lendas encontraremos a figura de alguém, que, ao se ver questionado e acusado por suas condutas, passe sempre a desqualificar o acusador em vez de provar que não age errado.
                A pesquisa não foi feita nas alegorias, mas, lamentavelmente, nos deparamos com essa situação no decorrer da história. Atualmente, no Brasil, quem protagoniza é o Poder Judiciário. Tudo por conta da atuação do Conselho Nacional de Justiça.
                A criação do CNJ foi estabelecida pela emenda constitucional n. 45 e seus trabalhos iniciaram em junho de 2005. É composto de quinze membros, entre integrantes do poder judiciário (maioria), advogados, promotores e representantes da sociedade civil. Sua missão, segundo o sítio do órgão na internet, é “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade, em benefício da sociedade”.
                É o que se espera de um órgão de controle. Menos na visão dos “controlados”. Após a declaração da Corregedora Nacional de Justiça Eliana Calmon, Ministra do STJ, de que no Brasil existem “bandidos de toga”, a reação do Judiciário foi enérgica. Não no sentido de mostrar que não existem e sim de desqualificar a corregedora do CNJ e a própria instituição.
                O termo utilizado pode até ser pesado, mas por que o susto com a afirmação? Está óbvio que ela utilizou “bandido” como sinônimo de criminoso, aquele que comete algum tipo de crime. Da mesma forma que existem bandidos de terno, de batina, de capacete, de chuteiras, de farda, sem camisa... Ou será que a toga imuniza o portador? Infelizmente, temos maus sujeitos em todos os segmentos sociais, inclusive no Judiciário. 
                A fala da Ministra deveria servir aos bons Juízes. É a melhor hora de mostrar que nada devem e estão longe de fazer parte da corja de bandidos. A reação que se espera do inocente é a de, ao ser acusado de alguma coisa que não fez, provar que não tem culpa. E não evitar ou tentar impedir que se investigue ou confiar em corregedorias paternalistas. Ele pode até mesmo se antecipar.
                Certo é que o Supremo Tribunal Federal, em votação apertada (6x5), confirmou a autonomia e o poder originário do CNJ para investigar e punir maus membros do Poder Judiciário. Deve ser estranho ser julgado, quando normalmente só se julga. Mas fiquem tranqüilos os bons Juízes: Só os bandidos é que estão em risco.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

MENTE SÃ EM CORPO SÃO. TALVEZ NÃO.

               A famosa frase do poeta italiano Juvenal (século I) “mens sana in corpore sano” atravessa os séculos e vem a cada dia ganhando novas interpretações, muitas vezes deturpadas e servindo de mantra para uma vida “correta e feliz”.  Será mesmo que precisamos de uma mente sã? Ou o que seria efetivamente uma mente sã?
                O genial escritor peruano Mario Vargas Llosa em seus “Cadernos de dom Rigoberto” (Ed Alfaguara, 2010, p. 98) faz dura e absolutamente razoável crítica à famosa expressão. Segundo ele, “quem disse que uma mente sã é desejável? “Sã”, nesse caso quer dizer tola, convencional, sem imaginação e sem malícia, arrebanhada pelos estereótipos da moral estabelecida. (...) Uma vida mental rica e própria exige curiosidade, malícia, fantasia e desejos insatisfeitos, isto é, uma mente “suja”, maus pensamentos, floração de imagens proibidas, apetites que induzam a explorar a desconhecido e a renovar o conhecido, desacatos sistemáticos às idéias herdadas, aos conhecimentos manipulados e aos valores em voga.”
                Aduz ainda, na outra banda da questão, que aparentemente a prática de esportes, em que pese tornar o corpo saudável, não redunda numa mente sã, já que hoje se vê – e muito – desportistas se valendo de expedientes vis, trapaças, corrupção de árbitros, dopping etc.
                As críticas do escritor, na pessoa do divertido personagem Dom Rigoberto, merecem aplausos. Sobretudo nos dias de hoje em que vivemos sob a “ditadura do bem” ou o “monopólio da virtude” por parte do Estado.
                Invariavelmente e cada vez com mais veemência, nos dizem, por todos os canais, o que devemos fazer para termos uma vida “correta”. Mas correta aos olhos de quem? O tempo todo nos dizem o que devemos comer, o quanto podemos beber, que não se pode fumar absolutamente, que devemos praticar alguma religião, trabalhar o máximo que pudermos, o que devemos ouvir (normalmente de gosto duvidoso), ler ou consumir.
Será que tudo isso leva a uma mente sã? A autonomia individual vem sendo cada vez mais reduzida, quando deveria ocorrer o inverso. Se vivemos em uma sociedade pautada pelo liberalismo, a liberdade individual teria de ser promovida e não dirigida. Estamos sofrendo uma espécie de robotização em nome de valores, pessoas e dogmas seguramente questionáveis.
É imprescindível que se questione, que se polemize, que se descubra novos caminhos, sob pena de nos tornarmos servis a uma suposta moral que nem sempre atende de maneira inteligente a todos. Ou que não respeita opiniões ou diferenças. Polêmicas do passado se transformaram em grandes conquistas do presente. Não podemos conceber que ter uma mente sã (se isso for mesmo necessário) seja acatar tudo aquilo que nos impõem.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

DE PERTO, QUEM É NORMAL?

                Ficou muito famosa a frase de Caetano Veloso em que ele afirma que “de perto ninguém é normal”. Freud também disse algo parecido. Talvez mesmo nem de perto nem de longe sejamos normais já que o que se deve perguntar é: o que é ser normal?
                Segundo Jaques Testard, cientista francês “a normalidade não provém de nenhuma definição racional, mas de uma certa relação entre o indivíduo julgado e o grupo que se autoriza a julgar.” Ora, temos portanto que não existe um padrão de normalidade; ao contrário, a própria normalidade é relativa, conforme a análise do observador.
                Em uma sociedade que muda a todo instante, que se reinventa, que se contesta, que evolui (ou involui), fica ainda mais difícil imaginar quem ou que seria normal. Se atribuirá efetivamente a ideais de pensamento, práticas ou grupos, definições pontuais e setoriais que dificilmente trarão um padrão de “normalidade”.
                Conservadores, tradicionalistas e reacionários insistirão em um padrão normal condizente com aquilo que era, mas que provavelmente já não é mais, se fiando na falsa impressão de que as coisas não mudam e que, se mudam, pioram.
                Modernos, pós-modernos, vanguardistas, trilharão pelo caminho da diferença para se chegar à normalidade. Ser diferente reconhecidamente dentro de cada estereótipo pode significar ser normal. Ou não, paradoxalmente.
                Caetano mesmo, com a frase citada acima, verso da bela música ‘Vaca Profana’, quer justificar que também sabe ser careta, já que, segundo ele, “de perto ninguém é normal”. Ser careta para Caetano seria não ser tão normal. Mais uma confirmação do julgamento conforme o julgador.
                Para a jurista Maria Celina Bodin de Moraes não existe uma identidade humana comum e que as diferenças existentes entre os indivíduos são facilmente comprováveis: quem são normais, os cultos ou os iletrados? Os sadios ou os deficientes? Os religiosos ou os laicos? Os revolucionários ou os conservadores? Os destros ou os canhotos? Os solteiros ou os casados? E por aí vai...
                A sociedade atual se pretende pluralista, reconhecedora e acolhedora dos ditos “diferentes” ou do reconhecimento das diferenças. Se é assim, cada vez menos teremos um “padrão” de normalidade, se é que teremos ou que desejamos ter. Talvez o melhor seja chegarmos à conclusão que nem de perto, nem de longe somos normais nem não-normais.