domingo, 27 de maio de 2012

A CAPOTADINHA NOSSA DE CADA DIA

               Não sei por que até hoje insistem em entrevistar jogadores e técnicos de futebol. Eles não sabem, não gostam e não querem falar. Os repórteres fazem as mesmas perguntas, os jogadores dão as mesmas respostas. Sempre. Os técnicos, por sua vez, são sempre antipáticos, arrogantes, sobretudo depois de uma derrota. São obrigados a enfrentar um exército de jornalistas sem inspiração, em busca de alguma declaração “relevante” para rechear os noticiários esportivos e fazer parecer à audiência (torcida) que eles todos estão preocupados com ela.
                Eles são obrigados, por contrato entre os times e as emissoras, a estar ali, “dispostos” a responder às perguntas. É muito raro sair alguma coisa aproveitável. Agora, “pérolas” da sabedoria são constantes. Nesse ponto, os jogadores e técnicos são imbatíveis. Já foi motivo de orgulho jogar em Belém do Pará, por ser, segundo o jogador, a terra em que Jesus nasceu. Afirmaram que “clássico é clássico e vice versa”. Ou ainda, para exaltar a hospitalidade baiana, que “o povo baiano é muito hospitalar.”
                Muitas vezes, entrevistas como essas entram pro folclore do esporte nacional. E outras tantas, causam perplexidade e indignação. Isso aconteceu na última semana. O atacante do Flamengo Vagner Love, talvez influenciado pela vocação do time em produzir episódios infelizes, perguntou aos presentes, após ser questionado sobre o caso de outro jogador do time que sofrera um grave acidente: “Quem nunca deu uma ‘capotadinha’ de carro?”
                Ora Vagner, me desculpe, mas provavelmente a maioria das pessoas. Principalmente aquelas que sabem e conseguem manter o controle, dirigindo de maneira responsável ou que nenhum louco tenha atravessado seu caminho. Acidentes acontecem, mas são exceção e não regra. Eu, particularmente, nunca dei minha ‘capotadinha’ e nem pretendo. Felizmente, conheço poucas pessoas que já passaram por isso. Porém, depois da indagação de Vagner Love já não sei se sou normal ou não.
                Fez lembrar uma entrevista – lamentável – do ex- goleiro, também do Flamengo, e hoje presidiário Bruno, que em uma situação semelhante, respondendo as acusações de que havia agido com violência contra uma mulher, também questionou: “quem nunca ‘saiu na mão’ com sua mulher?”. Ora, se for assim, me senti mais uma vez excluído. É óbvio que eu nunca ‘saí na mão’ com a minha mulher, o que, além de absurdo, é crime. Ainda bem que eu não sou jogador de futebol. Melhor pra mim. E pro futebol.
                Para tentar amenizar as atitudes repugnantes ou indesejáveis em que se colocam, tentam nos convencer que se tratam de passagens comuns na vida de todo mundo, meros incidentes, corriqueiros. Ora, quem nunca fez ou passou por uma aberração dessas? Somos todos iguais, comuns, normais. De jeito nenhum, meus caros jogadores.
                Não sei que função cumprem as entrevistas com jogadores e técnicos, além de se transformar em episódios de repúdio ou de humor. Acabam todos perdendo tempo. Os repórteres, que tentam, em vão, obter algo útil, os programas esportivos que acreditam ainda que isso seja possível, e nós, espectadores e torcedores, que, por vivermos uma vida “normal”, não nos enquadramos nas ‘pérolas’ dos entrevistados.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

VOCÊ ACREDITOU NA XUXA?

                O quadro ‘O que vi da vida’, apresentado semanalmente pelo Fantástico da Globo tem como objetivo uma entrevista franca com notáveis, sendo marcado por “revelações”, declarações polêmicas ou depoimentos comoventes. Já participaram Zeca Pagodinho, Lima Duarte e Chico Anysio, que realmente fizeram valer a audiência, alternando momentos engraçados com outros sérios, reveladores e, sobretudo, sinceros.
                A última entrevistada do quadro foi a Xuxa e, sinceramente, não dá pra atestar credibilidade e franqueza ao que foi falado. Xuxa não é, nem nunca foi, sinônimo de transparência ou sinceridade. Assim que foi anunciada a entrevista, como um “depoimento corajoso, revelador e emocionante”, já me vi cético quanto ao que seria dito e garanti que questões efetivamente importantes e das quais o público nunca a ouviu se posicionar, seriam sequer ventiladas. Houve uma tentativa de reverenciar um romance, como se fosse a coisa mais linda que já houve, com alguém que já se foi. Convenientemente, em outras partes, ocultou nomes e fatos e tentou colocar-se como alguém “comum”. Difícil acreditar, por exemplo, que Xuxa tenha orgulho de ser suburbana, como afirmou.
                Xuxa “revelou” que sofreu abusos até os treze anos, sem, no entanto, explicar direito, alegando uma conveniente amnésia. Foi evasiva, generalizou e acabou não dizendo nada. É neste terreno de abusos onde reside propriamente um dos assuntos que deveriam ter sido tratados, caso fosse uma entrevista efetivamente franca, qual seja, o filme erótico estrelado por ela em que contracena com um menor de apenas doze anos, em cenas absolutamente picantes. Consta que Xuxa conseguiu recolher, à custa de muita grana, quase que completamente, as cópias existentes do filme. Se fosse hoje, com a velocidade da internet e sua falta de limites, cada um teria uma cópia em seu e-mail. Que o diga Carolina Dieckmann.
                Mas o que importa não é o recolhimentos das fitas e sim o que ela fez com o menino de apenas doze anos nas filmagens. O Código Penal dispõe ser presumida a violência sexual quando haja relação com menor de quatorze anos. De clareza solar, portanto, que Xuxa também foi algoz. No entanto, diante da gigantesca audiência do Fantástico, se limitou a se vitimizar e esquecer que já deixara suas próprias vítimas. Posou ainda de inflexível defensora das crianças vítimas de abusos.
                Continuando, ergueu um enorme altar para Ayrton Senna, jungido a grande amor de sua vida e exemplo inquestionável - para ela - de grande homem, irrepreensível. É cômodo, diante da grande cobrança que recebe diuturnamente, se mostrar também como exemplo de boa mulher, boa mãe e com uma família sólida, do ponto de vista burguês-clássico e buscar no além a companhia ideal. Senna não voltará, mas será sempre seu “grande amor”, evitando cobranças desagradáveis. Seria como dizer: “meu homem já está no céu, desculpe”. Xuxa se colocou como viúva de Senna. Os dois “queridinhos do Brasil”. Pode encontrar concorrência, já que outra loura também se imagina nessa condição, talvez até com mais propriedade, pois era sua namorada na época de sua morte.
                Xuxa forçou uma humildade e uma simplicidade que todo mundo sabe que ela não tem. Tentou um choro em algumas oportunidades, mas parece que as lágrimas se recusaram a participar da farsa. Mostrou um pragmatismo incrível e soube usar o espaço para reforçar sua imagem de candura, criada e moldada pelos gênios globais. Faltou a devida espontaneidade. Soou muito falso, difícil de acreditar no que foi dito, o que não parecia ser o intuito do “depoimento”.

JÁ FOMOS INTELIGENTES?

                Recentemente, o jornalista Carlos Nascimento cravou em um comentário no Jornal do SBT, do qual é âncora, que nós brasileiros “já fomos mais inteligentes”. Nascimento estava inconformado com as últimas notícias que acabara de transmitir envolvendo a repercussão do fenômeno Luísa (aquela que estava no Canadá e, de repente, ficou em todo lugar) e do suposto estupro no Big Brother Brasil.
                Soou ranzinza e acabou por confundir inteligência com bom gosto. Além de esquecer o gigantesco poder da internet. A pergunta que surge, no entanto, é a seguinte: “já fomos mesmo inteligentes?”
                O Brasil sempre se destacou muito mais por suas atividades corporais do que cerebrais. Somos referência mundial em esportes e danças, havendo brasileiros consagrados mundialmente nestas áreas. Mas quando o assunto é cérebro, não chamamos tanto a atenção. Para se ter uma idéia o Brasil nunca ganhou um prêmio Nobel. Ao contrário de nossos vizinhos sul-americanos. A Argentina já abocanhou três em áreas científicas e outros países como Peru e Colômbia ganharam em literatura.
                Nas artes tivemos alguns movimentos interessantes e destacados como a Semana de Arte Moderna de 22, a MPB e o carnaval. Mas, mesmo dependentes de grande inteligência, se destacam mais pela inspiração e o talento de seus integrantes.
                Não se quer aqui afirmar que não somos inteligentes, apenas que temos a mesma inteligência de outrora. Talvez tivesse mais razão o Carlos Nascimento se dissesse que já tivemos mais bom gosto. Neste ponto realmente regredimos.
                A culpa em parte vai do gosto individual, mas o que transforma em algo coletivo é o fato de que há muito tempo só recebemos porcarias. Acabamos por ser resultado daquilo que vemos e ouvimos o tempo todo. A massificação do mau gosto traz esse tipo de resultado. O próprio canal em que trabalha o citado jornalista não preza pelo bom gosto.
   Música universitária nos anos 60 e 70 era MPB. Nos 80, rock. Hoje é esse sertanejo estilizado (e de gosto duvidoso). Os livros daquelas épocas eram os clássicos e os de grandes escritores premiados. Hoje são de auto-ajuda (o Brasil é o penúltimo colocado no ranking de leitura na América latina). Havia luta pela liberdade. Hoje estamos cada vez mais reclusos, satisfeitos com o que a internet e a TV nos despejam.
                É claro que precisamos de diversão barata, que, pelo visto, incomodou muito o apresentador. Mas só isso não basta. É claro que não podemos achar que a vida é um big brother e nem que um fenômeno repentino e efêmero como Luísa ou a família "para nossa alegria" tem alguma relevância. Temos a mesma inteligência. Só precisamos recuperar o bom gosto.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

ANTICLIMAX

               A pelada da turma da oito acontece há mais de vinte anos, reunindo amigos. Alguns são bons de bola, outros nem tanto e ainda uns nem um pouco. Todo sábado à tarde o ritual é o mesmo: Aos poucos vão chegando ao campinho onde se joga o tradicional futebol ‘society’ os protagonistas do “espetáculo”. O primeiro a chegar é sempre o velho Rocha, principal organizador e entusiasta do encontro semanal. O último é sempre o Gérson, que, quando chega, fica sempre para jogar a segunda partida.
                Durante esses mais de vinte anos já aconteceu de tudo na pelada da turma da oito: Brigas homéricas, pazes feitas, novas amizades, gols espetaculares, frangos históricos, apostas pagas e não pagas, disputa entre solteiros e casados, participação de jogadores famosos, de cantores, de políticos fazendo campanha, churrasco de todas as carnes imagináveis, comíveis e não comíveis, mulheres buscando marido pela orelha e por aí vai. Além daquelas que o pessoal jurou guardar segredo.
                Teve uma vez em que o Rochinha, filho do velho Rocha, apareceu acompanhado de um camarada cheio de marra, apresentado à turma como seu novo colega na repartição onde trabalhava como vistoriador de veículos.
                O sujeito parecia um jogador profissional. Tinha toda a pinta. Camisa da seleção da Espanha com a gola virada para cima, impecável. O short da marca esportiva mais famosa e vendida do mundo, no comprimento exato. Meião da marca concorrente, baixado à altura da caneleira e uma chuteira reluzente, do mesmo modelo usado pelos maiores craques do futebol mundial. Bastou o indivíduo começar o aquecimento, que fazia à maneira dos jogadores profissionais, com saltinhos e pequenas corridinhas, para chamar a atenção da turma e despertar sussurros do tipo: “esse cara deve jogar muito.”
                Com efeito, o amigo do Rochinha foi o primeiro a ser escolhido quando da formação dos times, tamanha era a expectativa da turma sobre o novo “craque”. Bastou o primeiro toque na bola para ele mostrar a que viera. Recebeu um lançamento perfeito, na cara do gol, e... deu uma “furada”, daquelas que derruba o camarada no chão. Levantou-se, pediu desculpas e continuou, pronto para a próxima, que não demorou a chegar. Bola de novo pra ele no ataque. Só que, em vez de dominar, pisou nela e levou um tombo pior do que o anterior. Não bastasse isso, depois de cinco minutos de jogo, já não conseguia correr e pediu para sair. Que decepção! Saiu sob insultos e gritos de “não precisa mais voltar!”
                O problema era que a pelada estava contada, ou seja, os dois times estavam com o número exato de jogadores e não havia ninguém esperando do lado de fora. Olharam à volta na esperança de encontrar alguém e perceberam que havia um moleque, em cima de uma árvore, observando tudo. Perguntaram àquele moleque magricela, maltrapilho, sem camisa, que calçava uma daquelas sandálias que hoje são famosas, mas que quando seu pai as comprou há muitos anos eram as mais baratas do mercado, com um short roto, que herdara do irmão mais velho, se ele queria participar do jogo, no lugar do decepcionante “craque”.
                O menino, envaidecido com o convite, aceitou de pronto, descendo imediatamente da árvore e já se postando em campo no lugar de seu malfadado antecessor. Não demorou ao moleque mostrar a que viera. Bastou uma bola para ele e a conclusão foi unânime... ele era pior do que o outro. Furou, caiu, perdeu gol sem goleiro, fez gol contra... Decepção geral, novamente.
                Estão vendo, de onde menos se espera é que não sai nada mesmo.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

FORA, NEYMAR!

               Como já era sabido, o Neymar foi campeão de novo. Digo que o Neymar foi campeão de novo por que tenho certeza de que, sem ele, os resultados não seriam tão bons para o Santos. Como não sou jornalista nem comentarista esportivo, posso fazer esse tipo de afirmação sem perigo de blasfemar ou de sofrer algum remorso, que aqueles se acovardariam muitas vezes a fazer.
                Concordo com meu amigo William Gama do blog ‘O trovante’ quando ele afirma que o Neymar já é melhor que o Messi, uma vez que o Messi, embora seja um indiscutível craque, dos melhores que já houve, faz, melhor que ninguém, o previsível. Já o Neymar, faz melhor que ninguém, o imprevisível. E parece-me muito mais interessante e melhor para o futebol e para seus aficcionados. Neymar dá mais espetáculo que o Messi. E o Messi joga em um time excelente. O neymar joga em um time bom.
                Só tem um problema: não consigo torcer pelo Neymar.Ele ganha tudo e não joga pelo meu time. Não quero nem pensar no dia em que o Neymar vai atropelar o meu combalido Flamengo no Campeonato Brasileiro. Como disse, não sou jornalista nem comentarista e não tenho que, hipocritamente, enaltecer o Neymar enquanto ele massacra o meu time. Sou torcedor, apaixonado.
                O Professor Rogério Dias, corintiano, tem a solução. Neymar deve ir para a Europa, pra nós podermos torcer por ele. Só torcem pelo Neymar jogando no Brasil os santistas, os sem-time e os hipócritas. É claro que eu quero ver belas jogadas, gols incríveis, mas ninguém que torce realmente por futebol, admite qualquer hegemonia ou uma amenização da derrota do seu time com um show do Neymar. Não quero shows do Neymar contra o Flamengo. E, se continuar assim, o Santos vai ganhar tudo. Se bobear, ganha até do Barcelona...
                Neymar na Europa seria uma ótima. Lembro-me de ver esse ano vários jogos entre times europeus, sempre elegendo aquele pelo qual torceria momentaneamente, principalmente em virtude da presença de algum jogador mais espetacular. Se o Neymar jogasse por algum deles, certamente teria minha incondicional torcida. Minha e do Brasil inteiro. Mas por aqui não. Não dá.
                O Neymar já fez tudo que tinha de fazer por aqui. Está na hora de consolidar sua condição de ‘melhor do mundo’ perante o mundo do futebol, o que só se consegue jogando em um grande time europeu. E não faltam interessados nele. Vai Neymar, queremos torcer por você de verdade.

domingo, 13 de maio de 2012

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

                O cientista africano Richard Dawkins, fervoroso defensor da inexistência de Deus critica o que chama de “estranha convenção quase universalmente aceita” a de que “a fé religiosa é dona de um privilégio único: estar além e acima de qualquer crítica”.
                Parece-me ter razão o Dr. Dawkins. É aceita com naturalidade por todo mundo a pessoa que afirma não gostar de futebol, de lutas, de política, de proteção ambiental, até de leis ou ainda ser crítico fervoroso de comportamentos, pessoas etc. Mas se arrisque a dizer que não gosta de religião ou venha a critica-las.
                A intolerância religiosa é absolutamente nociva e defende-se com veemência o seu contrário, qual seja a tolerância aliada à liberdade de crença, direito fundamental com assento em nossa Constituição da República. Guerras históricas, para citar como exemplo, foram travadas em nome dessa intolerância.
                O que causa espanto é que os próprios religiosos são, na maioria das vezes, muito intolerantes com quem não tem religião e –muito mais ainda- com aqueles que não acreditam em Deus ou que se apresentam como críticos. Supõem impossível não se acreditar e tentam, às vezes obstinadamente, convencer os ateus a uma conversão ou aqueles que não optaram por nenhuma, mas que crêem, a escolher um “caminho” até Deus, com seus diversos intermediários. Como se isso fosse necessário. Rebatem até com certa agressividade ou com desdém as críticas “blasfemas”.
                O importante nisso tudo é notar que a liberdade de crença garantida pelo texto constitucional admite também a não-crença e que a liberdade de pensamento e expressão é direito fundamental da mesma estatura daquela. Não sei a hierarquia delas na órbita metafísica, mas qualquer elucubração afastaria a racionalidade da discussão em tela.
                Tudo aquilo que está exposto ou oferecido está inexoravelmente sujeito a críticas. Muitas destas servem até para que as coisas melhorem. Não se pode é admitir que algo esteja acima de qualquer crítica. Beira-se o fundamentalismo, evitado nas religiões ocidentais e viola direitos fundamentais. Vê-se diuturnamente religiões lideradas por charlatães ou que ludibriam seus fiéis, religiões que negam direitos já consagrados ou que exigem sacrifícios até mesmo ilegais, que prometem curas de coisas que nem são doenças ou que encobrem escândalos escabrosos de seus membros. Ou ainda achar absurdo se questionar a crença em algo que não se pode provar, pelo menos cientificamente. Não cabe se cobrar tolerância, praticando a intolerância. Não se pode considerar-se acima de críticas, cometendo também muitos erros.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

MONETARIZAÇÃO DO AFETO

               Li a expressão ‘monetarização do afeto’ pela primeira vez no livro de direito das famílias de Maria Berenice Dias, quando a autora tratava da repercussão jurídica do namoro e da infeliz possibilidade de celebração de um contrato de namoro. A expressão é absolutamente pertinente. Estamos mesmo monetarizando o afeto. O que se lamenta é que isso agora foi chancelado por um tribunal superior.
                O Superior Tribunal de Justiça julgou há pouco o Recurso Especial n. 1.159.242/SP. O objeto da ação era a reparação por danos morais em virtude de abandono paterno-filial. O Réu possuiu um relacionamento com a mãe da autora vindo esta a nascer, não sendo, no entanto, por ele reconhecida. Tal reconhecimento só veio após demanda judicial. Desde então, o pai vem cumprindo com a obrigação alimentar imposta. Mesmo assim, o STJ condenou o pai ao pagamento, a título de danos morais, do valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais) à filha pelo fato de sua “omissão da prática de fração de deveres inerentes à paternidade.”
                Depois de verdadeira ginástica jurídica e argumentativa, concluiu a ministra que “amar é faculdade, cuidar é dever.” E que o descumprimento desse dever, de matiz constitucional, redundaria na possibilidade de reparação pecuniária pelos danos causados. Para ela, é necessária a presença paterna na “formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica e seja capaz de conviver em sociedade...”
                Algumas considerações merecem ser feitas e desde já se adianta a insurgência e a discordância com a decisão proferida. O próprio STJ, ao se manifestar em processo análogo em 2005, se posicionou contrário à reparação moral em questões afetivas, notadamente na ausência de convivência entre pai e filho (REsp 757.411/MG).
                O caso ganhou proporções midiáticas, sendo inclusive objeto de matéria no fantástico, programa de esmagadora audiência e nem sempre marcado pela imparcialidade que o direito exige na análise de questões, sobretudo intrincadas como a presente.
                A Autora aparece no vídeo, se mostrando uma pessoa absolutamente normal, de trinta e oito anos, casada, bem desenvolvida, com a fala segura e vocabulário bem utilizado. Vendo sua desenvoltura, em momento algum se deduz tratar-se de alguém tão prejudicada e mal desenvolvida emocionalmente pela não convivência com o pai. E para confirmar isso, vale transcrever um trecho das suas declarações sobre o ajuizamento da ação: “ajuizei para que ele saiba que ninguém deve abandonar ninguém.” É claro, portanto, o caráter vingativo da demanda. Saliente-se ainda a sua já avançada idade. A decisão, a todo momento, parece se referir a uma criança ou a uma adolescente e não a uma adulta de 38 anos.
                Nesse primeiro ponto é necessário se averiguar até que ponto a Autora pretende efetivamente o restabelecimento de uma saudável relação com seu pai ou se simplesmente, em virtude do abastamento financeiro deste, se ver indenizada pecuniariamente, engrossando as fileiras da deletéria ‘indústria do dano moral’. Pela declaração da filha, salta aos olhos a sanha monetarista. Confirmada, lamentavelmente, pelo Superior Tribunal de Justiça.
                Aduz ainda a ministra, conforme reproduzido acima que a não presença do pai fez com que a autora não se desenvolvesse plenamente. Ora, agindo assim, criamos uma enorme diferenciação entre pessoas, considerando como plenamente desenvolvidas, apenas aquelas que foram efetivamente criadas por ambos os pais. Pela premissa, famílias monoparentais, portanto, produzem em seus filhos um desenvolvimento limitado ou falho. Quem não teve pai ou mãe, por morte, distância geográfica, sumiço, longo tempo na prisão etc nunca terá o mesmo desenvolvimento de quem teve os pais biológicos ao lado. Não parece pertinente. A própria psicanálise, citada na decisão, considera substituível a chamada ‘função paterna’. O direito também, ao consagrar a paternidade socio-afetiva. Não é só o pai biológico capaz de criar, amar, ou como se extrai da decisão como dever, cuidar de um filho. Ressalte-se que a ministra destacou que o pai descumpriu uma fração de seus deveres. Será que essa fração foi tão determinante e capaz de gerar indenização tão vultosa?
                Criar e cuidar de um filho que não se desejou, que não ama, seria realmente positivo e produtivo no desenvolvimento da criança? Quem sabe a omissão em casos assim, deixando tão importante mister apenas à mãe, não traga um resultado melhor, já que para esta não faltarão o amor, carinho e cuidado necessários. Não se está aqui defendendo o abandono. O que se quer demonstrar é que nem sempre, a presença de alguém que efetivamente não queria estar ali, será algo vantajoso. Ser obrigado a cuidar, sob pena de ter de desembolsar altas quantias por isso, não parece interessante nem inteligente, nem mesmo justo.
                Outro prisma que merece reflexão, ainda na temática da monetarização é o gigantesco leque de possibilidades de futuras demandas que pode se abrir quando se admite a indenização em questões altamente subjetivas como as afetivas.
                Teremos em breve a propositura de demandas de natureza parecida, como o outro lado da mesma moeda, por exemplo. Será acolhida pelo STJ a demanda reparatória de um pai que foi abandonado por sua filha? Irmãos que brigaram e deixaram de se falar? Amigos de longa data que romperam relações? Namorados que terminaram o namoro? Poderá se demandar reparação moral em face da presidenta pelo não desenvolvimento satisfatório em virtude da situação do país? Poderá se requerer indenização da péssima televisão brasileira, considerada uma das vilãs na má formação educacional e cultural do país? Se ajuizará moralmente contra as falidas escolas públicas, pelo fraco desenvolvimento intelectual de seus alunos? Todas elas envolvem falta de cuidado. Porém, salta aos olhos a impropriedade da reparação pecuniária a título de danos morais em casos dessa natureza. Assim como no que se discute neste pequeno artigo.
                Por derradeiro, insta lembrar que o abandono já possui sanção em nosso ordenamento, qual seja a perda do poder familiar (art. 1638, II do Código Civil). Mesmo que se argumente ser este um prêmio ao genitor que não deseja conviver com a prole, tem-se também já consagrado em nossa doutrina e jurisprudência o chamado ‘dever de visita’ cujo titular do direito é o filho, ao contrário do vetusto ‘direito de visita’ titularizado pelo pai. Ocorre que, faz jus a exigir a referida convivência o filho ainda criança ou adolescente, muito longe da avançada idade da Autora do caso em apreço.
                Diante de tudo isso, parece equivocada a decisão do egrégio Superior Tribunal de Justiça. Monetarizar o afeto é perigoso e seus reflexos são imprevisíveis. Não será dessa forma que se restabelecerão ou se fundarão relações saudáveis entre pais e filhos. Leis e sentenças não fazem as pessoas se amarem e o cuidado é corolário do afeto e do amor.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

UM PROVÁVEL DIÁLOGO ENTRE DIÓGENES E DEMÓSTENES

                               Diógenes (404-323 a/C), filósofo grego dos Cínicos, famoso por desprezar as convenções sociais e os poderosos, se notabilizou por andar com uma lanterna à procura de um homem honesto e por morar em um barril.
                               Demóstenes Torres, senador da República, ex-Procurador de Justiça e ex-delegado de polícia, tornou-se conhecido por sua vociferação a favor da ética, sua defesa intransigente dos bons costumes e pela veemência de seus ataques. Ultimamente, figura nos noticiários policiais acusado de envolvimento com a máfia dos jogos ilegais de Goiás, seu estado natal.
                               Pode-se imaginar o diálogo que se segue, extraído de imaginária escuta telefônica autorizada, pensando mesmo o senador Demóstenes que o filósofo Diógenes havia terminado sua busca.
                               - Demóstenes: “Bom dia, o que o senhor faz com uma lanterna na mão em pleno dia?”
                               - Diógenes: “Procuro um homem honesto.”
                               - Demóstenes: “Que sorte a sua: Acaba de encontrar.”
                               - Diógenes: “E quem seria?”
                               - Demóstenes: “Eu, naturalmente. Famoso senador, defensor da ética e da moral. Acusador implacável. Incorruptível.”
                               - Diógenes: “Entre os animais ferozes, o de mais perigosa mordedura é o delator; entre os animais domésticos, o adulador.”*
                               - Demóstenes: “As injúrias, as calúnias e as difamações minam a resistência até de quem nada teme, mas permaneço firme na fé de que a verdade triunfará.”*
                               - Diógenes: “Até mesmo o sol penetra nas latrinas, mas não é contaminado por elas.”*
                               - Demóstenes: “A tudo suporto porque nada fiz para envergonhar meu partido, o Senado, Goiás e o Brasil. Essa é a verdade que, ao final, prevalecerá.”*
                               - Diógenes: “Devemos ter amigos que nos ensinam o bem; e perversos e cruéis inimigos, que nos impeçam de praticar o mal.”*
                               - Demóstenes: “Dói enfrentar o olhar sofrido de familiares torcendo para o tormento passar logo. Mas as inverdades chegam açodadas; a reparação, lentamente.”*
                               - Diógenes: “Perdão, meu senhor, mas, no mínimo, para o homem honesto, valem mais as atitudes do que as versões. E o que se tem mostrado contra o senhor não o faz enquadrar em minha busca.”

                        * As frases assinaladas de Diógenes foram colhidas da internet e as de Demóstenes de seu twitter.

MEIA NOITE EM PARIS

                O filme ‘Meia Noite em Paris’ de Woody Allen, ganhador do último Oscar de melhor roteiro é genial. O longa é inteligente, interessante e faz pensar. O protagonista vive um dilema saudosista em torno da qualidade artística de nossos dias e sonha com um passado que não viveu. Ele consegue realizar a façanha de voltar no tempo e ter um encontro com seus ídolos. No entanto, descobre que, em qualquer época, há uma sensação de que as coisas de antes é que eram melhores.
                Serve para ilustrar o que muito se questiona atualmente. Vivemos efetivamente dias piores? A vida de antes era melhor? Ou tudo era apenas diferente? Que resgate queremos trazer para os dias de hoje?
                Passamos, inquestionavelmente, por mudanças sociais cada vez mais rápidas, diversificadas e marcantes. Aqueles que são atores dessas mudanças entendem o que vem acontecendo, participam e sabem extrair o que se melhora.
                Os saudosistas, conservadores ou reacionários, são refratários a mudanças, parados no tempo na inútil tentativa de imaginar que ele não passa e que as coisas não mudam. São adeptos das frases clássicas: “no meu tempo era bem melhor” ou “no meu tempo as coisas não eram assim”. É comum chamarem de crise as mudanças experimentadas na sociedade. Crise da Família, crise do Estado, crise sexual, crise, crise etc.
                Sem dúvida tivemos muita coisa boa no passado e que dificilmente se repetirão no futuro. Mas daí a achar que tudo o que acontece hoje deve ser revisto e o passado recuperado, além de imbecil, é impossível.
                Realmente, jamais surgirá outro Pelé, outro Frank Sinatra, outro Einstein, outro Dali, outro John Lennon, por que os gênios são insubstituíveis. Mas teremos – e temos – gênios do nosso tempo como Stephen Hawkins, Steve Jobs, Michael Jordan etc. Não teremos mais necessariamente a família burguesa ‘Papai, mamãe, filhinhos’, mas teremos o reconhecimento de famílias plurais e democráticas, calcadas no afeto, independentemente de sua conformação. Não teremos um futebol-arte como aquele do século XX, mas teremos bom futebol , com surgimento de craques, técnicas e táticas modernas.
                Precisamos aceitar definitivamente que o mundo não só já mudou, como muda constantemente. Quem se recusa a participar desse processo para no tempo e se coloca em verdadeiro confronto com a realidade.
                Pode até ser que, para muitos, antes tenha sido melhor do que hoje. Mas o melhor mesmo é fazer com que o hoje se torne assim tão bom e não sonhar com um passado que, certamente, não vai voltar.

VAMOS NOS APROXIMAR DA ÉTICA

                Dia desses, diante da ausência de outro professor por motivo de doença, tive de juntar as turmas para que os alunos não fossem prejudicados pela referida falta e não ficassem ociosos. Era uma sexta-feira à noite. Informei a eles que o princípio ético da instituição era o de que eles não deveriam nunca ficar sem aula. Daí veio a surpresa.
                Ouvi exclamações pela expressão utilizada. Causou espanto eu chamar de princípio ético, algo que, para eles, era tão simples, ou até mesmo desnecessário. A ética anda tão rara que, na cabeça deles, só serve para casos mais importantes ou extremos. Parecia que eu ouvia de alguns: “nossa, esse professor está levando isso a sério demais.” Não deveria ser assim.
                Prefiro entender a ética de maneira simples, porém sem diminuir sua importância e essência, como um conjunto de comportamentos corretos, voltados para o bem. E pretendo colocá-la sempre em prática, quero ter proximidade, intimidade com a ética, o que faz com que a preocupação com o ensino seja, de fato para mim e para a instituição para a qual trabalho, um imperativo ético. Mas, como eu disse, a ética anda rara e anda assustando quando ventilada.
                A ética, para alguns daqueles que ainda a seguem, anda reservada, selecionada para ser utilizada em poucas e esporádicas situações. Vemos muitas vezes o triunfo dos comportamentos antiéticos ou aéticos sobre as condutas conforme a ética e isso vem fazendo com que ela própria seja deixada de lado. Parecem ainda querer insistir que os fins justificam os meios, levando-se a abandonar a preocupação ética, objetivando um resultado final satisfatório, normalmente de repercussão apenas individual. Precisamos de mais ética.
                Temos nos servido dela apenas para cobrar um determinado comportamento de alguém, seja do político, do policial, do colega de trabalho etc. Esquecemos de que ela deve partir de nós mesmos, ainda que diante de situações aparentemente simplórias. Já seria um bom começo. Gandhi disse: “seja a mudança que você quer no mundo.”
                Kant, ao identificar o imperativo categórico, sublinhou que todo o comportamento que se tenha deve ser no sentido do bem, agindo sempre como se sua conduta representasse uma lei universal a ser seguida. Se deixamos a ética de lado em nossas condutas, das mais simples às mais importantes, estamos chancelando a conduta contrária a ela.
                O comportamento é tico não deve ser considerado uma virtude e sim uma obrigação. E também não deve ser eventual, raro. Tem de ser comum, cotidiano, normal. Não devemos poupar ética. Não pode causar espanto, tem de ser natural. Não pode ficar distante, tem de nos acompanhar diariamente. Se queremos que as coisas melhorem, talvez seja uma bom caminho.

EDITORIAL

                Já há algum tempo que eu venho escrevendo algumas crônicas e pequenos textos sobre situações cotidianas e enviando apenas para alguns parentes e amigos e também para a Tribuna Popular de Cacoal. Como a aceitação tem sido razoável, iniciou-se uma pressão para que eu criasse um blog. Resisti por algum tempo, achando que não produziria o suficiente nem despertaria a curiosidade necessária.
                No entanto, como a produção foi aumentando, me senti agora seguro para lançar este ‘O Percepcionista’. Percepcionista é aquele sujeito que observa o mundo exterior, e essa é a proposta do blog. Sem a pretensão de me tornar formador de opinião, quero apenas expor minhas idéias e debater sobre as coisas que acontecem ao nosso redor.
                A maioria dos textos é resultado de debates e conversas entre colegas e amigos ou ainda de leituras que faço habitualmente. Como de hábito, eles viram cercados ora de polêmicas, ora de humor, ora de reflexões, ora de contestações e por aí vão.
                Espero que o resultado seja satisfatório e isso será medido pelo interesse demonstrado pelos eventuais leitores. Pretendo criar aqui um espaço democrático de troca de idéias, exposição de pontos de vista, discussão de assuntos relevantes e de interesse geral. Aguardo vocês e espero que gostem.
                Inicio os trabalhos com a publicação de dois textos ainda inéditos e um já publicado na Tribuna Popular. Aos poucos resgatarei outros e publicarei novos, tanto meus quanto de possíveis colaboradores.
                Um abraço.